Orçamento paralelo por meio do BNDES é antidemocrático, diz Arminio fraga 14 de julho de 2017

Prezado amigo Rodrigo Constantino

Mais uma vez parabéns por sua corajosa defesa aos princípios legados por nossos mestres Eugênio Gudin e Roberto Campos.

Creio ter acabado a fase da crítica à esquerda. Temos que entrar na fase dolorida da autocritica da direita.

No Brasil a esquerda é sempre acusada de ser a culpada pelo fracasso da direita omissa, covarde e conivente na defesa de seus privilégios pessoais, particulares e corporativos.

O crédito direcionado (BNDES, BB e Caixa) sempre foi uma fonte primária de corrupção em função da abissal diferença de juros existente. É humanamente impossível exigir honestidade num sistema anacrônico como esse.

Em maio de 2017 a carteira com recursos livres totalizou R$ 1,5 trilhão com custo médio de 46,8% ao ano.

Em maio de 2017 nas operações com recursos direcionados o saldo alcançou R$ 1,5 trilhão com custo médio 10,2% ao ano.

Bravo Rodrigo Constantino. Chega de liberal meia-sola.

 RODRIGO CONSTANTINO

Um blog de um liberal sem medo de polêmica ou da patrulha da esquerda “politicamente correta”.

ARTIGOS

O BNDES tem sido alvo de meus ataques faz tempo, e por um motivo bem simples: entendo que a pura existência do instrumento de subsídios disfarçados distorce todo mecanismo de incentivos na economia, levando grandes grupos a “investir” mais em lobby do que em produtividade. O banco acaba se transformando num esquema de transferência de recursos dos trabalhadores para os empresários, beneficiando os “amigos do rei” e permitindo espaço para muita corrupção.

Não é à toa que muitos acreditam que o BNDES poderia fazer o mensalão e o petrolão parecerem roubos de galinha, a ponta do iceberg na corrupção durante o governo petista. A “seleção dos campeões nacionais” durante a gestão de Luciano Coutinho, o mesmo que desde a década de 1980 já prega protecionismo na economia, esteve por trás dos escândalos da Odebrecht, Eike Batista e JBS, além dos financiamentos secretos a regimes opressores como Cuba, Venezuela e ditaduras africanas.

O BNDES tem agora como presidente um economista liberal, doutor em Chicago. Mas não pensem que isso vai mudar muita coisa. No encontro entre um liberal e o poder, é normalmente o poder que vence. Tanto que Paulo Rabello de Castro tem feito declarações absurdas, defendido o “desenvolvimentismo”, bancado uma espécie de JK e prometido abrir a torneira do banco estatal.

Para piorar, resolveu defender até o legado recente, durante os anos petistas, como se o BNDES fosse estritamente técnico em suas decisões. Foi o que disse nessa lamentável entrevista na Jovem Pan:

Apesar da analogia que o próprio entrevistado usou, de um bordel não se transformar num convento em poucos dias, ele logo depois nega que o BNDES seja ou fosse um bordel, afirmando que suas decisões foram técnicas, que Lula e Dilma tiveram votos e, portanto, legitimidade moral para adotar as políticas que adotaram, e que até os financiamentos que favoreceram ditaduras companheiras tinham meta aceitável de “exportação de serviços”. Parecia Guido Mantega falando!

Paulo disse que a imensa maioria dos funcionários, como dos brasileiros em geral, é formada por gente honesta, que nossos filhos são honestos. Muitas vezes sim. Mas em alguns casos os filhos resolvem casar com notórios lobistas, que acabam até presos. Isso também acontece. Por isso é preciso ser cético, e compreender que o mecanismo de incentivos importa, bastante. Ninguém precisa duvidar da seriedade dos analistas do banco para inferir que certas decisões vieram de cima, por ordem expressa do comando, e que este tinha outros interesses mais obscuros em jogo.

O BNDES destinava cerca de R$ 200 bilhões por ano em desembolsos na era petista. Com as taxas subsidiadas, isso significa uma ajuda maior do que o Bolsa Família a cada ano, sendo que o grosso – algo como 70% do total – ia para poucos grupos gigantes, ou que se tornaram gigantes. É muita cara de pau negar politicagem nisso, ou achar que as decisões eram puramente técnicas.

Paulo tenta argumentar que as operações geraram lucro, mas ignora não só o conceito básico de “custo de oportunidade”, como chega a cometer uma falácia espantosa ao dizer que só há prejuízo quando se vende a ação, esquecendo da famosa “marcação a mercado”, algo imperdoável para um presidente do BNDES e um doutor por Chicago.

O GLOBO traz hoje uma reportagem de página inteira sobre as mudanças nas taxas utilizadas pelo BNDES, e que Paulo, no primeiro momento, foi contra. Essas mudanças geram maior transparência, pois o subsídio ficará mais explícito. Como argumenta Alexandre Schwartsman:

Isso vai promover uma melhora institucional. A decisão de conceder ou não o subsídio tem que estar refletida no orçamento. Tem que estar escrito lá que o subsídio vai custar x milhões de reais. E que o Tesouro vai pagar isso, ou seja, todos nós. Por isso, o fórum mais apropriado para essa discussão é o Congresso. Não deve ser uma decisão de um burocrata do BNDES.

O fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, que tem defendido maior transparência na coisa pública há anos, também comentou as mudanças:

O Brasil passa por uma crise fiscal. É o momento ideal para trazer esse debate à tona. São recursos públicos, logo, deve ser claro como é feito o uso dele. O BNDES disponibiliza as condições de financiamento de várias operações em seu site, mas não fica claro o porquê de um projeto receber crédito subsidiado, e outro, não. O que a Lava-Jato mostrou é que muitas das empresas beneficiadas tinham proximidade com o governo.

Sergio Lazzarini, professor do Insper e autor do livro Capitalismo de laços, que aborda a relação entre estado e o empresariado nacional, ressalta que os empresários estão mal acostumados:

Estão em crise de abstinência. Era tanto capital público à vontade… Com a possível mudança nas taxas do BNDES, os setores menos produtivos vão sentir mais. Mas é o caminho que temos que seguir. Da forma como está, não é sustentável.

Já Arminio Fraga focou na questão do orçamento paralelo, alegando que se trata de uma política antidemocrática, pois o eleitor não tem conhecimento do que está em jogo no processo de decisão:

A explicitação do subsídio (no Orçamento) é crucial. Num momento extremamente difícil para o país, é fundamental que se entenda para onde está indo o dinheiro e por que razão. A transparência também é relevante porque expõe a regressividade de todo esse sistema e sua ineficiência. Com frequência, na maioria dos casos, oferece-se subsídio a quem não precisa. É um Robin Hood às avessas. […] Há um gigantismo do BNDES. As empresas privadas passam no BNDES antes de buscarem outras alternativas de crédito. Isso impede o desenvolvimento do mercado, tanto de emissão de debêntures (títulos da dívida) como de empréstimos privados. 

Sou cético com o resultado das mudanças, confesso. Não que as veja como ruins; ao contrário. Mas porque as considero insuficientes. A transparência é sempre o melhor remédio, deixar a luz entrar para espantar os monstros. Mas sabemos que eles continuarão operando nas sombras. Enquanto houver o instrumento, lá estará o lobista.

É por isso que defendo o fim do BNDES. O “capitalismo” brasileiro é viciado em doping, é um “capitalismo de compadres”, mais distante do livre mercado do que Plutão da Terra. Nossos grandes empresários só querem saber de privilégios, de subsídios, barreiras protecionistas, incentivos fiscais, taxas de juros manipuladas, enquanto a verdadeira solução passa justamente pelo fim dessas vantagens e o endosso do liberalismo econômico.

A maior prova do poder de sedução do instrumento é quando um liberal, doutor em Chicago, chega lá e passa a repetir os mesmos discursos e ladainhas dos antecessores, gente como Mantega e Luciano Coutinho, e a justificar até mesmo as bizarrices praticadas por Lula e Dilma em conluio com ditaduras socialistas. Não tem jeito: é preciso fechar esse troço!

Rodrigo Constantino

Ricardo Bergamini
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