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Renúncia fiscal soma R$ 400 bi em 2017 e supera gastos com saúde e educação

Classificadas pelo Fisco como ‘perda de arrecadação’, renúncias tributárias foram concedidas pelos governos nas últimas décadas a fim de estimular setores da economia ou regiões

Por Alexandro Martello, G1, Brasília

03/09/2017 05h00  Atualizado 03/09/2017 05h01

Ao mesmo tempo em que luta para tentar reequilibrar as contas públicas, que vêm registrando nos últimos anos rombos bilionários sucessivos em um cenário de baixo nível de atividade e dificuldade para cortar despesas obrigatórias, o governo também concede benefícios gigantescos para setores da economia, regiões do país e até mesmo para as pessoas físicas.

As chamadas renúncias tributárias, ou seja, a perda de arrecadação que o governo registra ao reduzir tributos com caráter “compensatório” ou “incentivador” para setores da economia e regiões do país, estão estimadas em R$ 284 bilhões neste ano.

Juntamente com os benefícios financeiros e creditícios (R$ 121,13 bilhões), os valores totais estão projetados em R$ 406 bilhões para este ano, com alta de 7,4% frente ao ano de 2016 (R$ 378 bilhões). Os números são da Receita Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU).

Nas renúncias, há uma miríade de benefícios. Entre eles: Zona Franca de Manaus, para empresas do Simples, pessoas físicas (deduções do IR de saúde e educação), cesta básica, exportações, energia, empregados domésticos, donas de casas, indústria automobilística, pessoas com deficiências, entidades sem fins lucrativos, filantrópicas, subsídios do BNDES, informática, desporto e crianças e adolescentes (veja a lista no fim desta reportagem).

As renúncias são resultado de medidas adotadas principalmente no passado, por outros governos, mas algumas, como o novo Refis, programa de parcelamento, foram adotadas pelo governo Temer, ou mantidas, como a do Repetro (para a indústria petroleira).

Mas outras foram encerradas, como a concessão de benefícios para o audiovisual. O governo Temer também quer reonorar a folha de pagamentos, mas ainda precisa passar a medida pelo Congresso Nacional. Alguns benefícios concedidos por governos anteriores estão sendo questionados pela Organização Mundial de Comércio (OMC).

O valor concedido em benefícios tributários e financeiros neste ano supera todas as despesas com saúde e educação (sem contar pessoal), Bolsa Família, benefícios de prestação continuada (BPC), seguro-desemprego, abono salarial, Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Fundeb e Fies, que, juntos, estão estimados em R$ 317,44 bilhões para todo ano de 2017.

Segundo os números do Ministério do Planejamento, as renúncias de arrecadação previstas para este ano, com estes benefícios tributários e financeiros, também equivalem cerca de 32% das receitas totais do governo (última estimativa do governo, feita em agosto, de R$ 1,28 trilhão).

O que dizem analistas e setor produtivo

Segundo o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) e professor do Instituto de Direito Público, José Roberto Afonso, toda renúncia deveria ser concedida prevendo custos e benefícios, e posteriormente avaliações, regulares, se possível independentes para checar se estão sendo atendidos os seus objetivos, o que não acontece.

“Os casos de frustrações seriam os primeiros candidatos a revisão”, afirmou.

Para Afonso, o mesmo ato que concedeu o benefício pode caçá-lo também. “Basta o governo tomar iniciativa de propor a revisão. O caso recente do Repetro e do novo Refis foram desanimadores porque, de decreto a lei, apontaram no sentido oposto”, declarou ele.

O Sebrae, por sua vez, defendeu os benefícios para as micro e pequenas empresas, concedidas por meio do Simples Nacional – programa que unifica e simplifica o recolhimento de tributos para o setor. De acordo com o órgão, os pequenos negócios são os responsáveis pela geração de renda de 70% dos brasileiros ocupados no setor privado.

“Mesmo com a retração da economia, o número de empreendimentos aumentou. Isso evitou uma maior estagnação do país. Se não houvesse o empreendedorismo de pequeno porte, o número de desocupados seria ainda maior”, disse o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos.

Para ele, as micro e pequenas empresas exercem uma função de “colchão social”, já que parte dos empregadores desse segmento conseguiu segurar muitos de seus funcionários e abrigar outros que se viram sem trabalho durante a crise econômica.

Já a Zona Franca de Manaus celebrou neste ano 60 anos de existência. Os benefícios à região foram prorrogados em 2014 até 2074. A Superintendência da Zona Frana (Suframa) avaliou em artigo que o modelo de negócios da Zona Franca é marcado por ser “economicamente sustentável, socialmente justo e ambientalmente responsável”.

Renúncias tributárias x benefícios financeiros

Classificadas pelo Fisco como “perda de arrecadação”, as renúncias tributárias, estimadas no valor de R$ 284 bilhões neste ano, foram concedidas pelos governos nas últimas décadas, permanecendo ainda vigentes, para estimular setores da economia ou regiões do país.

Entre elas, estão a perda de arrecadação com o Simples Nacional e com a Zona Franca de Manaus, e também benefícios para as pessoas físicas – como, por exemplo, as deduções no Imposto de Renda de Saúde e Educação, que beneficiam principalmente as classes média e alta.

A maior renúncia fiscal do governo, por exemplo, vai para as micro e pequenas empresas inscritas no Simples Nacional – que contam com tributação simplificada e menor do que as médias e grandes companhias do país. Somente nesse caso, a perda de arrecadação estimada para este ano é de R$ 82,99 bilhões – valor que é mais do que duas vezes o orçamento da Educação, estimada em R$ 31,36 bilhões para este ano.

Quando se faz a análise das renúncias por tributos (veja gráfico abaixo), aquele mais utilizado para dar benefícios é a Cofins, com R$ 64 bilhões estimados neste ano (desoneração da cesta básica, de medicamentos, e Simples Nacional, entre outros).

Em seguida, vêm as renúncias feitas por meio da contribuição da previdência social, com R$ 62 bilhões em desonerações – principalmente por conta da redução de tributos sobre a folha de salários (que o governo quer diminuir), filantrópicas, Simples Nacional e exportação da produção rural.

As renúncias tributárias feitas por meio do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), por sua vez, têm uma perda estimada de arrecadação de R$ 41,8 bilhões em 2017. Neste caso, se destacam as isenções de IR para quem tem mais de 65 anos, a aposentadoria por moléstia grave, as deduções no IR com Saúde (R$ 12,69 bilhões neste ano) e Educação (R$ 4,29 bilhões), entre outros. Também há renúncia de mais R$ 46,2 bilhões por meio do IR das empresas.

Renúncias tributárias em 2017 (Foto: Gráfico da Secretaria da Receita Federal)

No caso dos benefícios financeiros e creditícios, que estão estimados em R$ 121,13 bilhões neste ano, o chamado setor produtivo é o maior beneficiado, seguido pelos programas sociais e pelo setor agropecuário (veja gráfico abaixo).

Por destinação, segundo o TCU, os três maiores beneficiários desses recursos são: empréstimos da União ao BNDES, com R$ 23,87 bilhões (para cobrir a diferença entre juros de mercado e taxas subsidiadas sobre o estoque existente); Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), com R$ 15,82 bilhões; e os Fundos Constitucionais de Financiamento (FNE, FNO e FCO), com R$ 15,37 bilhões previstos para este ano.

Benefícios financeiros em 2017 (Foto: Foto acórdão TCU)

Os principais casos

Veja abaixo a lista das principais renúncias tributárias estimadas por setor em 2017 pela Receita Federal, sem contar benefícios financeiros

– Agricultura: R$ 26,58 bilhões (9,33% do total)

  • Desoneração Cesta Básica: R$ 17,58 bilhões
  • Exportação da Produção Rural: R$ 6,26 bilhões
  • Seguro rural: R$ 218 milhões
  • Zona Franca de Manaus: R$ 1,24 bilhão

– Assistência Social: R$ 12,73 bilhões (4,47% do total)

  • Aposentadoria de Declarante com 65 Anos ou Mais: R$ 6,44 bilhões
  • Automóveis – Pessoas Portadoras de Deficiência: R$ 367 milhões
  • Cadeira de Rodas e Aparelhos Assistivos: R$ 244 milhões
  • Dona de Casa: R$ 240 milhões
  • Entidades sem Fins Lucrativos – Associação Civil: R$ 2,7 bilhões
  • Entidades sem Fins Lucrativos – Filantrópica: R$ 1,39 bilhão

– Ciência e Tecnologia: R$ 10,1 bilhões (3,55% do total)

  • Despesas com Pesquisas Científicas e Tecnológicas: R$ 1,48 bilhão
  • Informática e Automação: R$ 5,76 bilhões
  • Inovação Tecnológica: R$ 2,05 bilhões

– Comércio e Serviços: R$ 82,78 bilhões (29% do total)

  • Simples Nacional: R$ 64,09 bilhões
  • Zona Franca de Manaus: R$ 17,19 bilhões

– Cultura: R$ 1,83 bilhão (0,64% do total)

  • Atividade Audiovisual: R$ 282 milhões
  • Entidades sem Fins Lucrativos – Cultural: R$ 163 milhões
  • Programa Nacional de Apoio à Cultura: R$ 1.35 bilhão
  • RECINE: R$ 10,7 milhões

– Desporto e Lazer: R$ 706 milhões (0,25% do total)

  • Entidades sem Fins Lucrativos – Recreativa: R$ 258 milhões
  • Incentivo ao Desporto: R$ 235 milhões
  • Olimpíada: R$ 212 milhões

– Direitos da Cidadania: R$ 753 milhões (0,26% do total)

  • Fundos da Criança e do Adolescente: R$ 346 milhões
  • Fundos do Idoso: R$ 87 milhões
  • Horário Eleitoral Gratuito: R$ 319 milhões

– Educação: R$ 14,17 bilhões (4,98% do total)

  • Creches e Pré-Escolas: R$ 21 milhões
  • Despesas com Educação: R$ 4,29 bilhões
  • Entidades Filantrópicas: R$ 4.54 bilhões
  • Entidades sem Fins Lucrativos – Educação: R$ 3,61 bilhões
  • PROUNI: R$ 1,32 bilhão
  • Transporte Escolar: R$ 6 milhões

– Energia: R$ 4,14 bilhões (1,46% do total)

  • Biodiesel: R$ 65 milhões
  • Gás Natural Liquefeito: R$ 666 milhões
  • Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura: R$ 2,41 bilhões
  • Termoeletricidade: R$ 740 milhões

– Habitação: R$ 11,25 bilhões (3,95% do total)

  • Financiamentos Habitacionais: R$ 2,19 bilhões
  • Minha Casa, Minha Vida: R$ 582 milhões
  • Poupança: R$ 8,43 bilhões

– Indústria: R$ 35,13 bilhões (12,34% do total)

  • Inovar-Auto (indústria automobilística): R$ 1,21 bilhão
  • Petroquímica: R$ 1,09 bilhão
  • Setor Automotivo: R$ 2,49 bilhões
  • Simples Nacional: R$ 18,9 bilhões
  • SUDAM: R$ 1,84 bilhão
  • SUDENE: R$ 2,71 bilhões
  • Zona Franca de Manaus: R$ 6,42 bilhões

– Saúde: R$ 36,01 bilhões (12,64% do total)

  • Assistência Médica, Odontológica e Farmacêutica a Empregados: R$ 5,08 bilhões
  • Despesas Médicas: R$ 12,69 bilhões
  • Entidades Filantrópicas: R$ 6,82 bilhões
  • Entidades sem Fins Lucrativos – Assistência Social e Saúde: R$ 3,79 bilhões
  • Medicamentos: R$ 5,31 bilhões
  • Produtos Químicos e Farmacêuticos: R$ 2,13 bilhões

– Trabalho: R$ 43,17 bilhões (15,16% do total)

  • Aposentadoria por Moléstia Grave ou Acidente: R$ 10,75 bilhões
  • Benefícios Previdenciários e FAPI: R$ 4,45 bilhões
  • Desoneração da Folha de Salários: R$ 17,03 bilhões
  • Indenizações por Rescisão de Contrato de Trabalho: R$ 5,99 bilhões
  • MEI – Microempreendedor Individual: R$ 1,55 bilhão
  • Incentivo à Formalização do Emprego Doméstico: R$ 685 milhões

– Transporte: R$ 4,99 bilhões (1,75% do total)

  • Embarcações e Aeronaves: R$ 1,46 bilhão
  • Leasing de Aeronaves: R$ 787 milhões
  • Motocicletas: R$ 107 milhões
  • TAXI: R$ 219 milhões
  • Transporte Coletivo: R$ 1,66 bilhão

 

Ricardo Bergamini

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