“A simplicidade consiste em subtrair o óbvio e acrescentar o significativo”
Essa frase foi escrita num capítulo do livro – As leis da simplicidade – de John Maeda publicado em 2007 pela editora Novo Conceito. A frase chama a atenção, pois é simples e complexa ao mesmo tempo. Seria mesmo a simplicidade apenas uma subtração do óbvio? O grande problema é sabermos o que é óbvio. E o que é significativo? O que pode ser muito significativo para um grupo de pessoas, ou para uma linha de pensamento, para outra pode ser irrelevante.
Por exemplo, quando Kepler tentou ser simples ao criar seu modelo de órbitas formado por círculos concêntricos, passou anos travado sem descobrir a solução. Ele imaginava que Deus teve um relampejo e repetiu a simplicidade do círculo nos movimentos celestes, como em sua concepção apresentada à seguir.
Foi um pensamento revolucionário em 1595, pois colocava o Sol no centro do sistema e não a Terra como a igreja obrigava a ser ensinado. Mas foi uma ideia excelente por vias tortas. Por sorte, Kepler teve a humildade de reconhecer que sua ideia de círculos não fazia sentido, não se encaixava com órbitas de planetas como Marte e Vênus. E por fim, depois de herdar dados do astronômo Tycho Brahe depois de morto, Kepler percebeu que havia uma complexidade não captada por ele: As órbitas eram elipses e não circunferências.
Então, as pessoas nesta “nossa era moderna” devem olhar para o passado e perceber que não é porque temos mais dados, maior facilidade em adquirir informações e maior conectividade, que tudo isso num bloco simples de celular poderá resolver e dar soluções dos problemas. Muitos se encantam com os chamados APPs dos celulares, mas se esquecem que por trás desses pequenos softwares, existe uma Ciência gigante que foi desenvolvida. Então caro leitor, esqueça essa ideia de que as coisas são simples.
Por exemplo, em termos de mercado financeiro, estamos chegando no período favorito de muitos grupos de invetimentos para bolsa de valores. Grandes bancos e suas corretoras vão ao ataque nesses últimos meses. Eles adoram chamar os clientes, ligar para os clientes, fazer encontros com salgados e vinhos, eventos com palestras com “ilustres” do mercado que “sabem tudo” sobre a área financeira.
E um dos encartes favoritos dessas corretoras é o chamado PREÇO ALVO. Essa é a invenção mais escabrosa, mais errada e sem base científica nenhuma que esses “ilustres” gostam de apresentar para convencer os clientes de suas previsões. Será que o leitor se lembra da função colegial Módulo? O leitor se lembra de retas?
Bem, a função Módulo é mágica, pois ela transforma numa simples mudança de sinal, tudo o que é negativo em positivo. Ela é representada por duas barras verticais | |. Então, se um resultado é negativo, por exemplo (-4), quando colocado em módulo se torna positivo, ou seja, a função para o exemplo seria | (-4) | = 4.
Ela é uma função importante, pois quando estamos verificando os erros que nossos modelos estão cometendo quando comparados com dados reais (assim como Kepler fez), esses erros devem estar em módulo. Você terá em suas mãos a magnitude dos desvios ou erros em relação ao seu modelo. O sinal dos erros apenas dizem se sua previsão está acima ou abaixo do esperado.
Então, por exemplo, se uma medida (med1 = 7) e o valor estimado foi (estim1 = 8), seu modelo errou para mais. Em termos matemáticos,
desvio = med1 – estim1 = 7 – 8 = -1
Da mesma forma, se (med2=7) e o valor estimado foi (estm2 = 6), seu modelo errou para menos. Na forma matemática fica
desvio = med2 – estm2 = 7 – 6 = +1
Quem vai ser subtraído pode ser trocado, ou seja, podemos ter
desvio = estm – med
Pois bem, com a função Módulo, resultados tanto para cima quanto para baixo da estimativa desse exemplo terão magnitude igual a um, ou seja, | desvio | = 1. Isso parece não ter tanta importância, mas em termos de melhora de previsão faz uma diferença gigante. O leitor poderá acompanhar isso, nesse exemplo simples com uma planilha do Excel. A função Módulo no Excel se chama ” =Abs( ) “. Com dados fictícios, a coluna A fornece os dias e a coluna B os preços diários de uma ação.
Com o Excel é fácil, usando a função “Linha de Tendência”, estimar qual a melhor reta que passa entre esses dados reais. A coluna C a seguir será o resultado para essa melhor reta, que é um modelo, uma estimativa do que se espera no futuro para esses dados. A coluna D é a diferença entre os dados reais e os dados da reta, sem a função Módulo. E a coluna E a diferença com a função Módulo.
Sem a função Módulo, o desvio padrão é quase o dobro do desvio padrão com a diferença tomada em módulo. Pode-se observar que a média é nula na coluna das diferenças sem Módulo. Claro, os dados negativos compensam os positivos e se anulam. Mas o importante é o desvio padrão, pois ele realça a volatilidade do modelo em relação aos dados reais. Ele realça o poder de previsão do modelo que criamos.
A reta encontrada pelo Excel foi muito simples, com a equação
y = 0,48 x + 9,26
As colunas F e G são compostas pelo nosso modelo (a reta do Excel) somado aos ruidos aleatórios que possuem dispersão com base no desvio padrão (a volatilidade). Na coluna F usamos o desvio padrão encontrado sem a função Módulo em nossa equação da reta. Na coluna G usamos a equação da reta com o desvio padrão encontrado com o Módulo.
O leitor poderá observar que o desvio padrão encontrado sem a função Módulo é quase o dobro do desvio padrão com a função Módulo. Ou seja, uma volatilidade aumentada de forma artificial ao não se considerar apenas a magnitude da oscilação, mas também seu sinal.
Ao lado colocamos os preços reais (fictícios) em pontos azuis. A linha reta vermelha é a equação da reta (estimativa sem ruído). A linha cor de vinho é o modelo simulado com a volatilidade encontrada sem Módulo e a linha verde a volatilidade com Módulo.
É possível reparar, que nesse simples e irrisório exemplo, a complexidade já aparece. Os dados do modelo com ruído e volatiliadade sem Módulo (c0r vinho) estão superdimensionando os valores da previsão.
Esses dados elevam o “medo” do cliente, ao apresentar uma previsão mais nervosa do mercado, com oscilações que dão arrepio em qualquer investidor leigo.
Para a linha verde, com o modelo usando volatilidade com Módulo, pode-se perceber um acompanhamento melhor sobre os preços reais. É possível ver que a linha verde, apesar de não ficar o tempo todo cravada nos dados reais, respeita mais a tendência e direção de oscilação dos preços reais.
Enquanto a linha vinho fica nervosamente oscilando e as vezes, por “sorte”, cravando um ponto ou outro, esse modelo se torna apenas um sinal aleatório sem sentido.
O leitor poderá se perguntar: “espera aí, mas ainda assim o erro é muito grande! “.
Claro. A reta não representa uma ação, pois o eixo x das abscissas não serve como regressão para os valores dos preços. Ou ainda, o tempo (em dias, minutos, segundos, etc) não influencia o preço de um ativo.
E é por isso que o leitor não deveria pagar, não deveria acreditar nesse tipo de informação conhecida errôneamente pelo nome de PREÇO ALVO. É uma informação completamente irrelevante.
E ainda não sabemos se utilizaram os desvios aleatórios de forma correta para simular o modelo que eles criaram. É uma caixa preta para o investidor.
Para testar isso, um internauta e nosso cliente, tomou os dados do início do ano para as previsões de diversas corretoras sobre diversos ativos. O senhor Renato Secco nos enviou gentilmente seus cálculos sobre as previsões com o PREÇO ALVO tão promovido pelas corretoras.
A interessante conclusão, foi que até o momento desse ano, as corretoras ERRARAM para mais em 96% dos casos! Sim, o erro de estimativa foi de 96%, só acertaram com seus preços alvos apenas 4% das estimativas.
Ao lado tem apenas um trecho da planilha, gentilmente cedida. O leitor poderá observar os erros de estimativas absurdos. É melhor jogar uma moeda do que usar esses tais PREÇOS ALVOS. Apenas nesse trecho ao lado é possivel observar erros de previsão de 79%, de 61% e de 56%.
Como ao jogar uma moeda, sua chance é de 50% de cara e 50% de corôa, em 11 meses o PREÇO ALVO das corretoras está reprovado e desacreditado no quesito poder de previsão.
Escondemos os nomes das corretoras na coluna B, uma vez que aqui o importante é mostrar os erros e não os nomes de quem mais errou.
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Os modelos com números aleatórios são importantes em diversas áreas da Ciência. Por exemplo, para testar procedimentos cirúrgicos, diversas simulações são feitas em computador com modelos de problemas inseridos para testar a habilidade do médico. Na Astronomia a Nasa utiliza modelos para prever se algum asteróide que passou raspando a Terra voltará em anos futuros e qual a probabilidade de impacto. Na fórmula 1 as equipes testam as diversas estratégias rodando modelos de simulação com dados reais.
Mesmo em finanças, quando se utiliza modelo para fluxo de caixa, fluxo de vendas ou para criação de cenários com austeridade fiscal, os dados aleatórios são inseridos com a utilização do desvio padrão.
A todas essas simulações numéricas é dado o nome de Método de Monte Carlo( ver: ” O cassino que gerou a bolsa“, ” O mau uso da Estatística“, ” Difícil fazer previsão?“)
Como se pode perceber, mesmo em modelos simples, o entendimento é complexo. Então, a criação de modelos ou medidas sem a devida consulta aos profissionais acadêmicos, causam essas aberrações estatístiscas que não podem ser confiáveis. Agora, caro leitor, quando receber em sua casa aquele folder bonito, colorido, com homens de paletó e gravata sorrindo no encarte, com um convite para ouvir sobre PREÇO ALVO, fique atento. O erro embutido no encarte é muito grande e o preço que você irá pagar é ainda maior.
Autor: Prof. Dr. Marco Antonio Leal Caetano
Fonte: http://www.mudancasabruptas.com.br/SimplicidadeComplexidade.html
Publicado em: 13/11/2015
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