Argentina e os ciclos econômicos, o que podemos aprender

Um país com liberdade econômica, propriedade privada assegurada, altos níveis de imigração europeia, fortes investimentos externos e o décimo PIB per capita do mundo. Acreditem ou não, esta era a Argentina no início do século XX, não era incomum ouvir a expressão “rico como um argentino” em meio à aristocracia britânica.

E hoje? Após sucessivos governos populistas, inflações astronômicas e gasto público descontrolado; a Argentina é um sinônimo de má gestão, regulação de mercado e estatísticas forjadas. Em meio a todos estes fatores, o novo presidente Maurício Macri tenta colocar o país nos eixos.

Para entender como a Argentina chegou a este estado, precisamos voltar a 2003: após a saída do regime de convertibilidade o país encontrava-se com o caos instaurado, com contas bancárias bloqueadas por 12 meses e saques em dólares proibidos, este foi o “corralito” aplicado por Fernando De la Rúa. Sucederam-se revoltas populares e renúncias, tanto de De la Rúa, quanto de seus sucessores; a Argentina teria três presidentes interinos em questão de duas semanas. Quando eleições foram finalmente convocadas, Néstor Kichner foi eleito em 2003 (com menos de 23% dos votos).

É nesse momento que entra um fator central para analisar a economia argentina do início de 2003 até o fim do governo de Cristina Kirchner, a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE).

Esta teoria foi desenvolvida principalmente por Ludwig von Mises Friedrich August von Hayek, ela busca explicar as causas dos períodos de grande expansão econômica (boom) e seus subsequentes momentos de depressão e recessão. Este processo é causado por uma manipulação na taxa de juros pelo Banco Central e subsequente expansão do crédito, isso faz com que a estrutura produtiva da economia seja afetada, causando um descompasso intertemporal entre poupança e investimento. Agora há abundância de crédito sem uma poupança prévia para lastreá-lo. Graças a isso, há grande incentivo para novos investimentos, além de causar um afrouxamento dos requisitos para concessão de empréstimos. A consequência disso são investimentos de maior risco. São realizados sobreinvestimentos e maus investimentos, que posteriormente causam um colapso.

Retornando à Argentina, Néstor Kirchner assumiu a presidência com um panorama favorável: a forte desvalorização do peso fez com que os salários e produtos argentinos ficassem muito competitivos internacionalmente, houve uma ausência de grandes crises internacionais até 2008, os Estados Unidos adotaram uma política de juros baixos (Quantitative Easing ou Afrouxamento Quantitativo) e a China passou a demandar fortemente as commodities argentinas, fazendo com que seus preços subissem. Soma-se a isso o alto desemprego e capacidade ociosa da indústria.

As medidas utilizadas através dos governos Kirchner favoreceram um modelo voltado para o consumo (tal qual no Brasil), com juros baixos, altos gastos estatais e impostos crescentes. Durante todo o período de 2003 a 2015 a inflação de preços nunca foi admitida pelo presidente do Banco Central (Martín Redrado), sendo que esta chegava a taxas até três vezes superiores às apresentadas oficialmente. Além disso, não buscou-se independência para o Banco Central, este financiava constantemente os crescentes gastos públicos pela emissão de moeda. Isso pode ser visto claramente pelo forte aumento na base monetária do país no período.

As primeiras consequências do boom inicial apresentaram-se apenas em 2007, com a inflação persistente. O grande aprofundamento do modelo pôde ser observado durante o governo de Cristina Kirchner, principalmente nos dois anos de eleições (2007 e 2011) onde os gastos públicos sofreram aumentos significativos. Junto disso veio a crise financeira internacional de 2008, que fez com que o governo adotasse diversas medidas anticíclicas (aumento de crédito e demais incentivos ao consumo) no ano subsequente, somando um aumento dos gastos estatais.

O resultado das políticas fiscais e monetárias expansionistas; tal qual o forte aumento na base monetária e os subsídios à energia e transportes (chegando a 5% do PIB); foram um crescimento insustentável e inflações de dois dígitos.
O cerne causador do ciclo econômico desde período foram os gastos públicos apoiados por taxas de juros abaixo da inflação e emissão de moeda. É importante salientar que as medidas anticíclicas adotadas fizeram com que houvesse um novo boom em 2009, piorando ainda mais as consequências do ciclo.

Felizmente para a Argentina, a era Kirchner terminou. Mauricio Macri assumiu a presidência e até agora vem tomando diversas medidas para liberar o mercado, baixando impostos e demitindo funcionários públicos remanescentes da administração anterior. É possível que em seu governo a Argentina finalmente possa voltar ao caminho do crescimento sustentável, com um mercado livre e a diminuição do Estado.

A situação em terras tupiniquins não foi muito diferente, porém ainda temos mais de meio mandato de nossa governante desprovida de graça por vir. A pergunta é, onde está nosso Macri?

Gabriel Marquardt Müller, Blumenau/SC
Formado em Ciências Econômicas pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB), com posições que variam de conservador a libertário.
Autores favoritos: Fiódor Dostoiévski, Ludwig von Mises, Olavo de Carvalho.
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