O Custo da Tocha Olímpica

Na mitologia grega, Zeus é o deus dos raios e trovões. Zeus tem, segundo a mitologia, o poder sobre o clima e é o pai de todos os deuses, aquele que chefia a família de deuses gregos e de todos os humanos. É ele quem dá ao homem o caminho da razão, que ensina a verdade, que ensina que todo conhecimento é obtido a partir da dor.

Em homenagem a Zeus, os gregos por volta de 2.500 a.c. criaram os jogos olímpicos na cidade de Olimpia, o lar de Zeus. Os jogos paravam guerras, eram sagrados e todos se preparavam para esse exercício de competição e respeito às regras dos deuses. Vencer sob o olhar de Zeus consagrava os participantes. Segundo consta da história, esses jogos perduraram até o século 4 d.c. Em 394 d.c. o imperador Teodósio II se converteu ao cristianismo e proibiu a realização dos jogos olímpicos por considerá-la uma festa pagã.

Em 1896 o barão de Coubertin encampou a ideia de ressuscitar os jogos olímpicos como uma forma do desenvolvimento humano na era moderna. Os países se reuniriam com os melhores representantes e recuperariam o espírito de competição dos gregos antigos. Nascia então os primeiros jogos olímpicos da era moderna, realizado em Atenas, Grécia. A Grécia não foi bem nas competições e em nada lembrava a terra dos heróis da antiguidade, não ganhando nenhuma medalha até a grande final, a maratona.

Foi então que apareceu a figura de Spiridon Louis, corredor da maratona, que entrou no estádio de Atenas com 80 mil pessoas ovacionando seu feito e deixando ao menos uma sensação de legado grego para a história dos jogos modernos.

Primeiro ganhador da maratona na Grécia em 1896, foi grego, Spiridon Louis

Novamente o templo de Olimpia voltou a ser recuperado e frequentado, principalmente há 100 dias da realização dos jogos. As tradicionais sacerdotisas do templo de Zeus estavam de volta. A chama é acesa pela forma de fogo mais “pura” do universo, vindo direto de nossa estrela mãe, o Sol. Essa pureza da chama se reflete na pureza de espírito dos jogos olímpicos. É essa chama que mantém a chama interna nos atletas, buscando a lealdade e honestidade para a participação e confraternização dos povos.

Sacerdotisas ascendendo a chama “pura” para os jogos olímpicos do Rio-2016

Honestidade?

Zeus deve estar muito zangado com o que está vendo. Os modernos seres humanos deturparam todo o espírito dos jogos olímpicos. Agora existe sempre o compromisso financeiro, as votações corrompidas de compra de votos para sediar os jogos, que obviamente são desvios de dinheiro público incentivados pela iniciativa privada.

Ou alguém acredita na balela de que as empresas privadas “doam” algo como parte do espírito olímpico. Apetrechos “gratuítos” são a forma mais barata de corromper os jogos. O que as empresas querem é levar dinheiro público na construção dos estádios modernos e nos direitos de transmissão. Quem se preocupa com os apetrechos?

E o apetrecho mais cobiçado pelo cidadão comum é a tocha (mas também um ingresso para a entrada dos jogos). Cada sede não se preocupa em realizar os jogos mais competitivos, mas sim aqueles mais suntuosos, com cerimônias caras e para tirar o fôlego. Mas como a televisão será o meio mais importante para se ver os jogos, filtros digitais vão garantir sempre o realce aos efeitos que aos olhos vivos, às vezes, nem são tão bonitos assim, mas na televisão são surpreendentes.

Mais pelo aparato tecnológico e enganatório da televisão, do que pelo preparo em si da cerimônia, a abertura dos jogos do Rio tem tudo para ser muito bonita. Afinal, mesmo suja, a Baía da Guanabara na televisão fica com um azul como o Caribe. Quem conhece a Baía da Guanabara sabe a cor da água do lugar, principalmente perto do mangues e do porto.

O verdadeiro legado que seria deixado à população carioca não vai se cumprir. Prometeram limpar a Baía da Guanabara e com os impostos gerados limpar a Lagoa Rodrigo de Freitas. Pois bem, já chegaram ao cúmulo de jogar perfume na água para enganar um comitê visitante. O povo carioca, infelizmente não irá ter sua Baía da Guanabara limpa. Essa seria uma herança maravilhosa para o carioca, principalmente os mais pobres que residem ao longa da Baía, na região de mangues e favelas. Perdemos essa chance, de novo!

Mas quem não se lembra da “malandragem” espanhola em Barcelona-1992 sobre a cena do ascendimento da tocha olímpica do estádio da abertura? O arqueiro mira a pira olímpica no centro do estádio e …uau! Ele acerta em cheio e ela se ascende!

Mentira. Câmeras de fora do estádio depois mostraram a farsa armada pelos espanhóis. A flecha passou longe, muito longe da pira olímpica e caiu na rua. No início os organizadores mantiveram a história que sim, fora o arqueiro quem ascendeu a chama. Mas depois, com a divulgação da imagem, tudo desabou e eles assumiram que a chama acendeu sozinha. Ou seja, o fogo não era nada puro, nem mesmo o espírito olímpico era limpo. Nascia o período das farsas televisivas e que perdem o encanto da realidade.

Farsa espanhola do arqueiro que acende a pira olímpica, em Barcelona 1992

E essa farsa só aumenta a cada versão. No Brasil começou com a escolha, um tanto o quanto discutida sobre a compra ou não de votos para sediar o evento. Ou pelo menos, de influência ou não de políticos. Os desvios de recursos vão ficar claros assim que terminarem os jogos. O ministério público do Rio está abrindo uma série de investigações sobre os custos do evento. A reforma do Maracanã deu o que falar e o que dizer do velódromo, totalmente reconstruído mesmo sendo ainda novo. Outras arenas que depois serão desmontadas certamente serão outro ponto de questionamento sobre seus custos.

Mas o mais recente tem a ver com a nossa tocha olímpica.

Nas outras Olimpíadas, quem carregava a tocha podia comprá-la. Em Londres o preço era de 200 libras. No Brasil o preço é de R$ 2.000,00, ou algo em torno de US$ 500,00. Depois de muito comentário, os patrocinadores resolveram “doar” aos participantes a tocha que eles carregarem. Todas as 12 mil tochas? (ler aqui). Claro que não.

Os patrocinadores vão “doar” as tochas para aqueles carregadores que eles escolheram, ou seja, metade dos 12 mil participantes. E a outra metade? Com certeza vai sair do dinheiro público a compra para doar a esses outros participantes.

Tocha Rio-2016

A princípio o Comitê Olímpico Brasileiro diz que a passagem da tocha pelas cidades é gratuita e não tem custo nenhum. (ler aqui). Não é bem assim.

A Gazelta online publicou uma entrevista com diversas cidades e se percebe que quanto maior o tamanho da cidade, maior a despesa com a organização. O custo médio é de R$ 180 mil. Custo Médio!

Cidades menores tem gasto algo em torno de R$ 10 mil a R$ 15 mil, mas a medida que as grandes cidades recebem a tocha e a medida que os dias vão ficando mais próximos da abertura, os custos aumentam.

A prefeitura de Vila Velha (ES) disse que gastou R$ 13 mil enquanto sua vizinha Guarapari (ES) gastou R$ 100 mil. Como pode duas cidades vizinhas gastarem essa diferença no montante?

E em Vitória (ES), ao lado de Vila Velha, gastou-se R$ 240 mil. Em algumas cidades realmente os custos serão zero, pois a passagem será muito rápida sem holofotes de famosos artistas ou jornalistas e o principal, a população engajada trabalhou de graça, com todo mundo sendo voluntário.

Já no DF (tinha que ser lá), o custo saiu por absurdos R$ 4,3 milhões (ler aqui). Desse total, R$ 3,8 milhões foram desembolsados pelos cofres públicos. Cadê os patrocinadores?

Com tudo isso, se estima que o custo total só para carregar um fogo que veio gratuitamente do Sol, será de R$ 25 milhões. Mas pode ser ainda maior até chegar ao Rio, segundo própria estimativa do COB.

 

Vitória de Joaquim Cruz em 1984 – Los Angeles – EUA

Mas vamos relevar e pensar que esse é um evento muito raro, que acontece poucas vezes nos países, que poderá trazer um legado enorme para nossos jovens, que tudo é feito com a melhor das intenções.

Ainda assim, é triste ver como nosso país continua desprezando a história e quem fez a história. Dos 12 mil participantes, a prioridade tem sido dada a artistas, cantores, duplas sertanejas, bandas de rock e muito jornalista da Rede Globo.

Esse sim vai ser o verdadeiro custo da tocha. O custo do desprezo por quem foi numa Olímpiada no passado, em tempos difíceis, sem condições de treinamento e já sabendo que não ganharia nada.

Por exemplo, nos anos 1960 e 1970 todos sabíamos que ninguém no Brasil tinha condições atléticas suficientes para ganhar algo nos jogos. Mas mesmo assim, pessoas simples foram e ganharam. E fizeram bonito sem ajuda do COB, COI ou do órgão da época, a CBD- Confederação Brasileira dos Desportos, orgão cabide de emprego para os militares generais.

Boxeadores, lutadores de judô e atletas de saltos e corridas deram seu máximo em prol de Zeus. E Zeus lhes retribuiu com um pódium, mesmo que fosse a medalha de bronze.

E o grande COB se “esqueceu” de colocar esses nomes no revezamento e passagem da tocha olímpica. Não foi esquecido de colocar os jornalistas para carregarem as tochas, mas se esqueceram de quem realmente participou dos jogos.

Num belo gesto, Joaquim Cruz, corredor e primeiro medalhista de ouro nos 800 m rasos em Los Angeles – 1984, reuniu alguns dos nomes “esquecidos” pelo COB e fez uma singela homenagem postada no Youtube. Por exemplo nomes como Jarbas Tomazoli (Montreal 76), Claudia Chabalgoity (Barcelona 92), Leandro (Atlanta 2006), Hudson de Souza, entre tantos outros, foram chamados por Joaquim Cruz para se reveleram com a tocha na mão como Atletas Olímpicos. Nem precisava, mas no Brasil sim.

O esquecimento já é o legado dessa caminhada da tocha. Justiça seja feita, o COB reconhecendo o erro, informou que os atletas “esquecidos” poderiam entrar em contato para serem inseridos entre os 12 mil carregadores da tocha. Mas cá para nós, com tantos milhões de reais investidos nesse evento, precisou de um blog levantar o problema para chamar a atenção do milionário comitê? E ainda vem com a palavra “esquecimento”?

Onde estão os arquivos de participantes dos jogos? Foram jogados ao lixo?

Zeus sabe que isso não é verdade, e poderá punir os jogos do Rio-2016. A punição virá com a caça às bruxas pelos gastos e desvios, com a corrupção nas construções ou pedaladas fiscais dos governos. Zeus, com toda certeza, preservará o legado dos jogos criados para uma só finalidade: o legado da união e honestidade entre os povos.


Autor: Prof. Dr. Marco Antônio Leonel Caetano 

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