O erro original | Míriam Leitão

Prezados Senhores

Em 45 dias o novo presidente do BNDES Paulo Rabello de Castro fez uma auditoria de 65 anos de existência do banco (Livro Verde – disponível no site do BNDES) e concluiu que jamais existiu alguma irregularidade na história do banco, salvando inclusive o PT de qualquer acusação.

JBS foi um dos negócios mais bem bolados da BNDESPar, diz Rabello de Castro. Banco de fomento tem 21,32% de participação na companhia dos irmãos Batista.

Em vista do acima exposto sua afirmação desmente a acuação do presidente da república de que os irmãos da JBS sejam bandidos e criminosos.

– O Globo

O custo fiscal do BNDES, o que é pago pela sociedade, triplicou entre 2007 e 2016. Quem pegou dinheiro a TJLP, durante a alta recente da inflação, chegou a pagar juros reais negativos, de –4%. Só para Belo Monte foram dedicados R$ 22,5 bilhões, mais recursos do que para o financiamento de rodovias em 10 anos. Os dados são do Livro Verde, em que o banco se defende das críticas.

Há um erro original nesta discussão. O banco reage como se fosse ofensivo duvidar das decisões tomadas por seus gestores, como se todo funcionário estivesse sob suspeição. Numa democracia, qualquer órgão público está submetido ao escrutínio das instituições e tem que prestar contas. O presidente do BNDES diz que o livro é uma prestação de contas. Na verdade, é uma defesa da ideia de que o banco nunca errou.

O tom do livro é técnico, mas tem premissas equivocadas. O objetivo da apresentação de Paulo Rabello de Castro é o de ficar bem com os “benedenses”, o que ele conseguiu. Acusou as críticas de serem “pós-verdade” e abonou todas as ações do banco ao longo de seus 65 anos de história. Afirmou que “resta claro e inequívoco que o BNDES nunca desperdiçou recursos preciosos do povo nem jamais os aplicou de forma temerária”. Nas entrevistas, foi além e defendeu até a ditadura.

No governo militar, o banco fez empréstimos com taxas de juros pré-fixadas, numa inflação em escalada, que acabou transferindo bilhões aos seus devedores. Colocou recursos em empresas falidas. Apostou em campeões que acabaram no cemitério das empresas. Isso é História do Brasil e não pósverdade. No período recente, as controversas hidrelétricas da Amazônia, Jirau, Santo Antônio e Belo Monte, receberam R$ 40 bilhões. O livro sustenta que os projetos eram para garantir a “modicidade tarifária”. Esse é um jargão do governo Dilma, que, com ele, criou uma crise no setor elétrico.

Ele chamou de “fantasiosa” a afirmação de que houve uma política de campeões nacionais. Isso era dito abertamente. Luciano Coutinho chegou a afirmar que a política foi deixada de lado por falta de candidatos a campeões. Paulo Rabello precisa conversar com a realidade.

De acordo com o Livro Verde, os empréstimos tinham o custo fiscal de 0,3% do PIB ao ano em 2007, foi a 0,6% durante a crise e chegou a 0,8% em 2015, e 0,9% em 2016, nas contas que o banco fez. Pode ser muito mais, porque os dados precisam ser explicados. Quanto custou ao Brasil se endividar em meio trilhão de reais para financiar o banco? O ministro Meirelles fala em R$ 117 bilhões em dez anos de subsídios. Quanto custou sub-remunerar o dinheiro do FAT e do PIS/Pasep? Qual foi o custo de oportunidade?

O banco escondeu certas informações até de órgãos controladores, como Ministério Público e TCU, sob o argumento de que são dados protegidos por sigilo bancário. Quem usa 100% de dinheiro público pode usar esse biombo? No livro, o banco expõe dados agregados, mas a natureza das operações continua nebulosa.

O TCU tem tido dúvidas razoáveis em relação a operações feitas com o JBS. Algumas vão se esclarecendo, outras permanecem. Por exemplo: em 2008, o banco aportou quase R$ 1 bilhão no grupo, através de debêntures, para o grupo comprar a National Beef, nos Estados Unidos. A operação foi proibida pelos órgãos de defesa da concorrência americana. Em vez de exercer a opção de pegar o dinheiro de volta — já que a compra não foi realizada — o banco optou por deixar o dinheiro com o JBS. Fez um aditivo ao contrato, dando tempo até 2010 para que o grupo comprasse o ativo que quisesse no exterior. O TCU e a Polícia Federal acham que isso não faz sentido. E não faz.

É injusto falar que o JBS foi financiado para virar um “campeão nacional”. A maioria das operações foi para comprar ativos no exterior, ampliá-los e criar emprego em outros países. Nesse aspecto, o sentido do apoio foi bem diferente do que foi dado a outro controverso empresário, Eike Batista, que bem ou mal investiu no Brasil. E quando diz quanto foi transferido ao JBS é preciso trazer a valor presente. Como sabem os economistas, o valor nominal é enganoso.

O BNDES é importante para o Brasil, não é isso que se discute. Mas pode e deve ser questionado, porque é assim que acontece nas democracias.

Ricardo Bergamini

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