O modelo federalista brasileiro e o exemplo da Suíça como inspiração para um novo pacto federal

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo mostrar a construção do modelo federativo brasileiro e suas peculiaridades, assim como apontar algumas limitações da atual conjuntura federal, principalmente no que tange a questão de distribuição de competências e destinação de recursos entre os entes federados. Assim, apresentou-se o modelo de federalismo suíço, que é o 2° mais antigo do mundo, como parâmetro para possíveis reformas no pacto federativo brasileiro. Como metodologia, utilizou-se a pesquisa aplicada, sendo esta no que tange ao objetivo a pesquisa explicativa, à abordagem a pesquisa qualitativa e como método procedimental a pesquisa bibliográfica, abordando o problema em uma perspectiva histórica sobre a construção do pacto federativo brasileiro e suas muitas modificações ao longo das mudanças políticas ocorridas no Brasil, até a promulgação da atual carta, bem como a comparação do atual modelo com a concepção federativa da Suíça, que possui um modelo sólido de federalismo e de certo modo único no mundo. Feito isso, foi possível perceber a eficiência do modelo suíço frente ao modelo brasileiro, que tem por característica o centralismo da União em detrimento dos estados, distrito federal e municípios, principalmente no que tange a questão fiscal. Ficou evidente de o modelo brasileiro precisa, urgentemente, de descentralização e maior autonomia tributária dos estados, assim como uma maior simplificação da carga tributária em todas as esferas da federação. Como conclusão, o modelo suíço é um excelente parâmetro, dada a sua história e a forma como foi construído, sendo um modelo singularmente democrático, para uma reforma profunda e ampla no pacto federativo brasileiro.

Palavras-chave: Federalismo, Brasil, Autonomia, Suíça, Descentralização

INTRODUÇÃO

O modelo federado brasileiro constitui-se, segundo a constituição de 1988, na união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se assim em Estado Democrático de direito (BRASIL, 1988). Dessa forma, cada um dos assim chamados “entes federados” possui autonomia política, legislativa, administrativa, financeira e com poder constituinte decorrente (DOS ANJOS, 2012). Na prática, isso significa ter a capacidade de cada territorialidade decidir sobre a política, a forma de administração e como serão empregados os recursos decorrentes da tributação, dentro do seu limite territorial e das limitações fixadas pela constituição federal.

O modelo federativo existente no Brasil sofreu várias mudanças desde a sua instituição, com o golpe militar que deu origem a República, em 1889. As antigas províncias, que não possuíam autonomia política e financeira, mesmo que limitada, passaram a ser estados-membros, com poderes independentes da União de forma parcial nas questões administrativas, políticas e financeiras, podendo a União intervir nos entes federados, caso necessário, para garantir a manutenção da federação (PARCELLI, 2015). Com o golpe de estado de 1930, dado por Getúlio Vargas, implantou-se o Estado Novo, tendo novamente um modelo centralista de governo.

Apesar de manter a autonomia financeira dos entes federados, assim como a constituição e as leis estaduais, a era Vargas eliminou a descentralização política. A partir de 1945, com o fim do Estado Novo, as idéias de descentralização federal renascem no Brasil. Com o golpe militar de 1964, novamente é assumido um sistema centralizador e autoritário, mas que ainda mantinha o modelo federalista de nação, embora bastante enfraquecido à época, limitando muito as esferas estaduais e municipais, subordinando os mesmos política e economicamente à União.

Com o fim da ditadura militar e a redemocratização, a efervescência de idéias sobre liberdade, democracia e direitos sociais compõem o debate e a formulação da carta de 1988. A nova carta, que é considerada a mais democrática de todas as cartas constitucionais, ampliou os poderes dos estados e municípios. Acerca dela, André Regis (2009) afirma:

“Mas os membros que tiveram maior influência sobre o texto constitucional foram exatamente aqueles que pediam menos autonomia para os governos subnacionais. O consenso – e a grande inovação – da nova Constituição foi um novo arranjo, com elevação das administrações municipais ao nível federativo de governo, criando uma terceira esfera de autonomia. Essa ruptura representou uma quebra radical na tradição de dualidade no federalismo brasileiro”.

Assim, os municípios passaram a ter suas próprias receitas fiscais de forma autônoma. Isso só pôde ser possível graças a descentralização, que diminuiu o poder dos governadores e os repartiu entre os prefeitos e todas as esferas administrativas municipais. (REGIS, 2009, p. 5)

A HISTÓRIA DO FEDERALISMO FISCAL BRASILEIRO

O sistema federalista brasileiro surgiu, junto com a República em 1889, fortemente influenciado pelo modelo americano. Porém, o modelo americano foi construído num processo lento, em que estados independentes na sua administração mas semelhantes culturalmente decidem se unir num só Estado Federativo, enquanto no Brasil um estado unitário foi descentralizado em federações, mais em decorrência da sua extensão geográfica, porém tendo grandes diferenças culturais entre os entes federados (FERRERI, 1995, p. 27).

Este modelo federalista, segundo MOREIRA (2015 apud FAORO, 2000, p. 185), começou sendo um modelo federado criado artificialmente, foi marcado nas suas primeiras décadas por disputas oligárquicas polarizadas entre dois estados, São Paulo e Minas Gerais, na chamada “República Café-com-Leite”, que impunham seus interesses sobre a política econômica nacional, tornando os estados sem força política e fora do eixo São Paulo, Minas Gerais às vontades das oligarquias políticas. Assim, o federalismo fiscal tornava-se ineficiente durante todo o período da chamada “República Velha”. Ou seja, a autonomia fiscal dos estados era apenas aparente, mais uma forma de garantir a autonomia do Executivo Federal, além de criar uma hierarquização entre os entes federados, com privilégios notórios para dois estados enquanto os outros eram preteridos. Houve uma concentração de recursos financeiros na mão de alguns poucos estados, e o controle e destinação destes recursos estavam quase todos centralizados no chefe do Executivo, que também vinham destes estados privilegiados, tornando o modelo federalista brasileiro isolado entre dois entes federados (GIACOMO, 2017).

Esta hierarquização foi rompida em 1930, com o golpe de Vargas e a instituição do chamado “Estado Novo”. Apesar do viés autoritário e centralizador do regime implantado por Getúlio Vargas, os municípios passaram a ter capacidade fiscal, e o aumento da representatividade dos estados menos populosos como meio de diminuir as assimetrias econômicas entre os entes federados (MOREIRA, 2015, p. 71). Porém, em 1937, o presidente Vargas dissolve a câmara dos deputados e o senado, instituindo uma ditadura e tirando dos entes federados a autonomia, mesmo que limitada, da qual dispunham anteriormente, concentrando todas as decisões administrativas, financeiras e políticas com a União. A única competência fiscal dos estados-membros era sobre a propriedade territorial, no que tange a transferências, compra, venda e outras mercadorias com alíquota delimitada pela União. Aos municípios era limitado o imposto territorial urbano e outros serviços municipais.

Com o fim da guerra em 1945, as pressões políticas em busca da liberdade democrática eclodiram no fim do sistema ditatorial vigente e uma nova constituição surge, em 1946, devolvendo aos estados uma autonomia parcial, mas ainda longe do idealizado aos moldes do sistema norte-americano. Os estados ainda continuavam dependentes da União financeiramente, sem autonomia para decretar tributos importantes, restando aos mesmos alguns tributos menos significantes (GIACOMO, 2017).

Novamente o Brasil viria a sofrer um novo golpe no seu sistema democrático e federalista, em 1964 com o regime militar. O sistema federalista foi mantido, mas voltou a ser semelhante ao que existia na era Vargas, concentrando ao máximo as decisões no âmbito da União. Esvaziou o poder dos governadores e prefeitos, afim destes não se rebelarem ou disporem recursos a grupos de oposição ao regime (VAINER, 2010). Porém, o sistema tributário nacional continuou sobre os pilares federalistas. Porém, mesmo com todas estas limitações, a constituição de 1967, puramente militar, e a reforma tributária proposta pelos mesmos possibilitaram, pela primeira vez, a criação de um sistema de transferência intergovernamental da esfera federal para os outros entes federados, a saber, estados e municípios, por meio de fundos de participação (MACARINI, 2000, p. 17).

Mesmo com esta possibilidade, a união ainda detinha poderes muito grandes, que foram ainda mais ampliados com a emenda constitucional 1/69, que colocava a União em nítida posição de superioridade em relação aos estados-membros, elegendo ao Supremo Tribunal Federal (STF) para resolver possíveis conflitos entre a Federação e os estados, ampliando inclusive a hipótese de intervenção federal nos estados em razão de segurança nacional ou por questões econômico-financeiras (BRASIL, 2012, p. 137).

Este cenário intervencionista repercutiu na assembleia constituinte nacional em 1986, em que diversas entidades e setores da sociedade brasileira clamavam por mais democracia e liberdade, o que gerou a expectativa e o plano de um novo pacto federativo, efetivo, descentralizando o poder da União e distribuindo-o entre os entes federados. Porém, mesmo com os avanços democráticos da nova carta constitucional, os arranjos e mecanismos forjados na elaboração da carta frustraram o projeto de uma federação plena e concentrou os recursos fiscais na sua maioria no poder federal (MOREIRA, 2015). Percebe-se que forças políticas oligárquicas, que estiveram presentes durante o regime militar e no governo indireto do presidente José Sarney (1985-1990), minaram os planos de uma constituição liberal e com competências federativas descentralizadas.

O FEDERALISMO FISCAL EM 1988: CARACTERÍSTICAS E DEFICIÊNCIAS DO MODELO VIGENTE

A nova carta constitucional de 1988, que contém o sistema tributário nacional, foi diferente da elaborada na década de 60 pelo motivo do sistema tributário anterior ter sido elaborado por uma equipe técnica, enquanto o novo sistema foi construído com a participação popular, sendo os principais personagens os políticos. Além disso, os municípios foram alçados a entes federados também com a nova carta, criando assim três esferas de poder no Brasil: a federal, a estadual e a municipal. Isso pode ser observado nos artigos 145 a 162 da Constituição Federal/88 (BRASIL, 2016), que delimita as competências da União, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios.

No art. 150, incisos I, II, III e IV a seguir, a Constituição instituiu vários princípios tributários, que são: legalidade, isonomia, anterioridade anual e nonagesimal, assim como a proibição dos entes federados de tributar com efeito de confisco, cobrar tributo sobre o tráfego de pessoas como limitação ao mesmo (exceto em caso de pedágio para manutenção de vias públicas), instituir imposto sobre: outros entes federados; templos religiosos; patrimônio, renda ou serviços de partidos políticos; entidades sindicais dos trabalhadores; instituições sociais sem fins lucrativos; livros, jornais e outros periódicos, incluindo os insumos destinados a sua impressão; e recentemente incluído, fonogramas e videofonogramas contendo obras musicais de autores brasileiros ou obras em geral interpretados por brasileiros (BRASIL, 2016, p. 95).

São três os tipos de tributação que os entes federados podem instituir, sendo eles: os impostos; as taxas em decorrência do poder de polícia ou pelos serviços públicos específicos prestados ao contribuinte ou disponibilizados ao mesmo; contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas (OLIVEIRA, 2013).

A respeito das competências tributárias de cada nível de governo, a constituição federal organiza as mesmas da seguinte forma:

A respeito dos tributos de Patrimônio, a União legisla e administra o ITR (Imposto sobre Propriedade Territorial Rural), mas fica apenas com 50% da receita, dividindo a outra metade com os Estados e Distrito Federal. Na categoria tributária sobre consumo, a União legisla, administra e detém a receita do COFINS, PIS/PASEP e II (imposto sobre importação). A CIDE e o IPI a União somente administra e legisla, mas detém 71% dos recursos sobre a CIDE e 42% sobre o IPI. Sobre a tributação sobre renda, a União legisla e administra sobre todos os tributos desta classe, mas fica integralmente somente com os recursos do IOF e CSLL, detendo 52% sobre o IR (PF e PJ).

Sobre os tributos sobre a folha de pagamento, novamente a União tem a predominância sobre a administração e legislação dos mesmos, estando sob sua responsabilidade a contribuição previdenciária social (GPS) o FGTS, o Salário-Educação e o tributo destinado ao Sistema S.  Destes, a União fica com o recurso total da GPS, do FGTS e 50% sobre o salário-educação. O tributo do Sistema S é direcionado em sua totalidade para as entidades (PEREIRA NETO, 2008).

Aos Estados e Distrito Federal, compete-lhes legislar e administrar sobre o IPVA, o ITBI, o ICMS, como também taxas e contribuições de melhoria. Na repartição de recursos, os estados ficam com o ITCD, 21,7% sobre a CIDE, 32% sobre o IPI, 75% do ICMS, 50% do IPVA, 21,5% do IR e uma parcela do salário-educação.

Finalmente, aos municípios compete legislar e administrar os seguintes tributos: o IPTU, o ITBI, o ISS e as taxas e contribuições. Sobre os recursos da receita, os municípios ficam com 100% do IPTU, do ITBI e do ISS, além de ficar com 50% do IPVA, 50% do ITR, 7,25% da CIDE, 26% do IPI, 25% do ICMS e 23,5% do IR (PEREIRA NETO, 2008).

Analisando a forma como as competências tributárias foram distribuídas entre os membros da federação, é visível a concentração da administração, legislação e receitas com a União, com grande diferença para os estados e municípios. Aproximadamente 68% de todos os tributos existentes no Brasil ficam com a União (BRANDÃO, 2007). O restante é distribuído entre os outros entes federados. E diante das obrigações dos outros entes federados, a União torna-se cada vez mais poderosa e dominante sobre o restante da federação. É fato que distribuir e definir as competências de cada ente federado é um grande desafio. A forma como a repartição das competências entre os membros da federação determina os rumos que esta irá tomar.

Existem, conforme descreve Dos Anjos (2012, p. 7) pelo menos duas formas de repartição das competências em um pacto federativo. A forma clássica, que segue o modelo americano e inspirou a federação brasileira nos seus primórdios, é chamada de horizontal, típica do federalismo dual. Nela, são especificadas as competências da União, ficando para os estados tudo que a união não abarcou ou que não foi proibido aos mesmos. Neste caso, são chamadas de competências enumeradas as atribuições constitucionais da União, enquanto aos estados são destinadas as chamadas competências enumeradas. Porém, no modelo cooperativista de federação, as atribuições das matérias são partilhadas entre os poderes, porém em níveis diferentes. Este modelo é chamado de competências concorrentes ou compartilhadas. Caso estas competências não consigam abarcar alguma matéria específica, são criadas as chamadas competências complementares. O modelo cooperativista ou vertical de repartições de competências numa federação, embora de origem americana, tem muito dos seus mecanismos advindos da Constituição de Weimar, da Alemanha.

A constituição brasileira adota um sistema complexo de repartição de competências, que em parte utiliza de competências compartilhadas, em outras de competências complementares e competências enumeradas. O Ministro Celso de Melo (2002) fala disso em uma de suas medidas cautelares:

“A Constituição da República, nas hipóteses de competência concorrente (CF, art. 24), estabeleceu verdadeira situação de condomínio legislativo entre a União Federal, os Estados-membros e o Distrito Federal (RAUL MACHADO HORTA,”Estudos de Direito Constitucional”, p. 366, item n. 2, 1995, Del Rey), daí resultando clara repartição vertical de competências normativas entre essas pessoas estatais, cabendo, à União, estabelecer normas gerais (CF, art. 24, § 1º), e, aos Estados-membros e ao Distrito Federal, exercer competência suplementar (CF, art. 24, § 2º)”

No que tange a distribuição dos recursos, estes podem acontecer de duas formas possíveis: direta ou indireta. Na forma direta, o ente federado receberá diretamente os recursos, enquanto na forma indireta o recurso advindo dos tributos comporá um fundo, que será repartido pela união posteriormente entre os entes federados.

Encontrar o modelo de repartição para o sistema federal brasileiro, tanto de competências quanto de repartição de tributos, é um grande desafio, dadas as disparidades culturais e sociais existentes no nosso imenso território e o desafio de gerir um país com dimensões continentais como o Brasil.

Fato é que um federalismo dual, com pouca intervenção estatal (porém de forma viciada) já foi implantado no país, sem sucesso. Estados ricos continuaram ricos, enquanto estados pobres continuaram pobres. A partir da era Vargas, apesar da restrição em termos legislativos e administrativos que o governo vigente impôs, a forma de federalismo cooperativo possibilitou a muitos estados com arrecadação limitada desenvolverem-se, diminuindo a disparidade entre as unidades federativas e estimulando o desenvolvimento entre os estados menos assistidos e que são economicamente mais fracos. Ainda sim, esta situação de maior concentração dos recursos com a União, com desproporcionalidades no repasse dos recursos arrecadados para cada estado torna o modelo federalista brasileiro difícil de sustentar por razão das arrecadações dos entes federados abaixo da união se manterem praticamente sem modificações, enquanto as responsabilidades e competências dos estados, distrito federal e municípios aumentaram desde a promulgação da carta constitucional atual. Casos como as crises fiscais de alguns estados em 2016 e 2017 são uma demonstração da insustentabilidade pela qual passam vários estados brasileiros com o arranjo tributário e de distribuição de receitas atual, acentuados pelos escândalos de corrupção na esfera federal denunciados nos últimos anos. Porém, alguns modelos existentes em outros países podem servir de parâmetro para ajustes e reformas no sistema federalista brasileiro.

O MODELO FEDERALISTA SUÍÇO: HISTÓRIA E CARACTERÍSTICAS

O modelo suíço de federalismo teve início há mais de 700 anos, sendo embrionado pela união dos povos do Vale de Uri, do Vale de Schwyz e as comunidades do vale inferior de Unterwalden, que firmaram um pacto de não-agressão e defesa mútua (FIUZA, 1992). Na realidade, não havia uma nação constituída, mas uma união de cantões firmada sob tratados políticos. A nação suíça, com seus 4 idiomas oficiais (alemão, francês, italiano e romanche), com disparidades culturais muito grandes umas das outras, mas que permanecem unidos sob um sólido e eficiente pacto federativo, surgiu em 1848 com a promulgação da primeira constituição da Confederação Suíça, sendo a segunda federação mais antiga do mundo, atrás somente dos Estados Unidos da América. Esta constituição promulgada em 1848, sendo revisada em 1866 e em 1874 ganhou uma revisão profunda, podendo ser considerada uma nova constituição (BROCHADO, 2004, p. 104). Esta nova constituição ganhou atualizações e emendas até que uma constituição inteiramente nova foi promulgada em 18 de abril de 1999, estando vigendo até o dia de hoje.

A Suíça é um país pequeno, com apenas 41.000km² de território e população de aproximadamente 8,3 milhões de habitantes. Fica localizada em um território montanhoso, fronteiriço com vários países da Europa; porém, com grande destaque no cenário econômico mundial. Sua divisão geopolítica se dá por meio de 20 cantões e 6 semicantões, alguns deles muito antigos e já existentes antes da formação do estado federativo suíço e que possuem características culturais muito peculiares (PAMPLONA, 2013). Há 3 níveis de governo: a federação em si, os cantões e as comunas. Ambos os níveis governamentais cooperam entre si, assim como respeitam o princípio da separação de poderes, com cada ente federado elegendo seus próprios governos soberanamente, mas transferindo parte de suas responsabilidades para a federação. O modelo federalista suíço transformou as grandes diferenças existentes na nação em vantagens que a destacaram no cenário político e econômico mundial.

A autonomia política, administrativa e jurídica dos cantões em relação ao poder federal suíço é muito ampla. A constituição suíça vigente, datada de 1999 e que substituiu a bicentenária constituição de 1874, diz em seu art. 3° que “os cantões são soberanos, desde que sua soberania não seja limitada pela Constituição Federal; eles exercem todos os direitos não delegados à Confederação” (SUÍÇA, 1999).

Todo cantão tem uma constituição própria, um parlamento próprio, um governo autônomo próprio e tribunais próprios. Eles possuem autonomia para definir sobre sua legislação acerca de assuntos como educação, saúde e segurança pública. Em alguns cantões, ainda se pratica um tipo de democracia direta, chamada de Landsgemeinde, um caso peculiar entre as formas democráticas de governo no mundo. Conforme descreve Galante (2006), em um cantão e outros 4 semicantões, no fim da primavera no hemisfério norte, ocorre uma assembleia formada por homens livres, que trazem questões de importância para a comunidade local, e as decisões eram tomadas por votos dos moradores locais, que ao levantar as mãos expressavam sua vontade acerca de determinado tema. Além disso, a constituição também prevê que os cantões possam celebrar contratos entre eles, ou estabelecer organizações e instituições em comum, podendo a confederação participar na celebração destes contratos ou acordos firmados. Os municípios também possuem uma certa autonomia política, administrativa e financeira, que são delimitadas pela confederação e pelos cantões. Mas, apesar de toda autonomia e descentralização do estado suíço, assuntos no tocante à soberania nacional e defesa ainda continuam sob responsabilidade da confederação, tendo somente ela competência para fazer uso do exército em caso de estado de sítio ou de ameaças graves a segurança interna e externa do país. Os cantões e municípios são responsáveis, por conseguinte, pela manutenção da ordem pública em seus respectivos territórios (PAMPLONA, 2013).

O sistema político suíço, assim como o Brasileiro, também divide-se em três poderes separados e independentes, a saber: o poder executivo, legislativo e judiciário, exercidos por pessoas diferentes. Em vez da figura de um chefe de estado e de governo, tal como ocorre no poder executivo brasileiro, o poder executivo suíço é composto por um conselho federal, composto por um colegiado de 7 membros. Este conselho tem um presidente, eleito pelos demais membros, e que possui poderes limitados em comparação a outros chefes do poder executivo em outras federações (BRAGA, 2006). No que tange ao poder legislativo, assim como no Brasil, o parlamento é bicameral, tendo uma câmara alta e outra baixa.

O SISTEMA TRIBUTÁRIO SUÍÇO E A COMPARAÇÃO COM O SISTEMA BRASILEIRO

O sistema tributário suíço segue a descentralização política que o país possui, com seus 26 cantões e mais de 2.900 municípios independentes. Todos os cantões têm plena competência de legislar e administrar tributos, exceto no caso de impostos que sejam de recolhimento exclusivo da esfera federal. Sendo assim, há dois níveis de tributação no país: o nível federal e o nível cantonal e municipal, similar ao que existe no Brasil, com a União, os 26 estados, o Distrito Federal e os municípios.

O nível de despesa do governo suíço é menor do que o Brasileiro. Enquanto no Brasil a destinação das receitas tributárias fica em 68% para a União, na Suíça a despesa de nível federal é de menos de 50%, enquanto os cantões e municípios ficam com mais de 50% da fatia tributária. Neste ponto, como cada cantão suíço possui uma autonomia tributária e administrativa muito maior do que os estados brasileiros, a tributação varia muito entre cada unidade federativa suíça. Enquanto alguns cantões são conhecidos como “paraísos fiscais”, outros tem pesadas taxas tributárias. Somente os impostos federais são iguais para todas as unidades federativas, sendo o principal deles o chamado IFD (imposto federal direto), que é equivalente ao Imposto de Renda brasileiro, obedecendo as seguintes alíquotas: até 11,% da renda das pessoas físicas; até 9,8% do rendimento líquido das pessoas jurídicas e até 0,825 por mil do capital e das reservas das pessoas jurídicas (MANUAL…, 2016, p. 109) . Para fins de comparação, a alíquota do imposto de renda brasileiro pode chegar a até 27,5% para pessoas com renda acima de R$ 4.664,68, e em caso de pessoas jurídicas, com exceção das optantes pelo regime do Simples Nacional, é pago uma alíquota de 15% sobre o lucro líquido e mais 10% caso este lucro exceda R$ 20 mil por mês no período da apuração. São basicamente 4 tipos de impostos existentes na confederação suíça: o imposto sobre renda, o imposto sobre heranças, o imposto sobre sucessão e o imposto sobre ganhos de capital. O imposto sobre valor agregado (IVA) é um tipo de tributação única sobre o consumo, dentro da competência federal, que possui o percentual mais baixo da Europa (8%), enquanto no Brasil temos o PIS, Cofins, IPI, ISSQN e ICMS, que mudam conforme a legislação de cada estado e são um grande problema para a competitividade das empresas brasileiras.

Sobre o montante tributado, a Suíça figura entre os países com carga tributária mais atraente, tanto para pessoas físicas quanto para empresas. Cada cantão possui características tributárias próprias, então, as taxações efetivas para empresas variam entre 12 e 18%. A nível federal, a alíquota federal atualmente em vigor está em torno de 8,5% para sociedades de capital e cooperativas, enquanto associações, as fundações e outras pessoas jurídicas, bem como fundos possuem tributação fixada em apenas 4,25%. No ranking de carga tributária, Suíça e Brasil apresentam grandes diferenças. Enquanto o Brasil aparece como o 7% país entre os de maior carga tributária do mundo. Quando se trata do retorno dos impostos em serviços públicos, a disparidade fica ainda mais evidente: enquanto o Brasil figura apenas na 30ª posição no ranking, a Suíça figura em 6° lugar (FUENTES, 2017).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo federalista brasileiro, construído a partir de um golpe de estado, passou por várias fases, mas sempre distante do idealizado estado norte-americano, até por serem concebidos de formas distintas. A implantação do federalismo dual resultou na oligarquia café-com-leite, onde São Paulo e Minas Gerais, que já eram estados ricos, ficavam com a maior quantia das receitas tributárias enquanto os estados menos desenvolvidos continuavam com poucos recursos. Este cenário dominou a chamada república velha até 1930, com a ascensão do Estado Novo implantado pelo golpe de Getúlio Vargas, que centralizou o poder federal formando uma espécie de “federalismo de coalizão”, mas que manteve o poder da União muito superior ao poder dos estados até 1945. Novamente um período com mais liberdade e autonomia dos entes federados até o golpe militar de 1964, que fez com que o modelo de federação voltasse a ser centralizador e autoritário. Apesar das grandes expectativas, a nova constituição de 1988 não deu aos estados e distrito federal a autonomia desejada para que os mesmos, pelo menos na questão mais importante que é a questão tributária e da destinação das receitas.

A União continua detendo a parte majoritária dos recursos, aproximadamente 68%, enquanto estados e municípios, que possuem competências compartilhadas com a União, dependem de repasses do governo federal para cumprir as atribuições a eles cabíveis. Além da quantidade exorbitante de tributos cobrada pelo poder estatal, o retorno deles em serviços públicos ao cidadão é insatisfatório. Fato é que propor um novo modelo de pacto federativo não é algo simples, ainda mais num país de dimensões geográficas continentais como o Brasil. Porém, é algo possível, observando alguns modelos de federação bem-sucedidos e com mais tempo de história que o brasileiro. A Suíça é um exemplo claro de grandes diferenças culturais, linguísticas e até mesmo geográficas que conseguiram conciliar-se em uma só nação por meio de um modelo de federação descentralizada, com grande autonomia dos estados-membros, chamados lá de cantões. Além de um sistema tributário mais equilibrado, os estados-membros podem legislar sobre saúde, segurança pública e educação sem a intervenção federal e tem uma maior autonomia para criação de tributos. Mesmo a Suíça tendo uma dimensão territorial e populacional muito inferior a Brasileira, mas com diferenças culturais tão grandes ou até mesmo maiores que as nossas, com 4 idiomas oficiais e alguns cantões com sistemas de governo bem distintos dos outros.

O objetivo deste trabalho não é propor um novo modelo de pacto federativo com seus meandros, mecanismos e distribuição de competências, mas mostrar por meio de exemplos bem-sucedidos e históricos como o da Confederação Suíça que é possível revisar o modelo brasileiro de federação, que ainda mantém resquícios das oligarquias da república velha e é por demasiado centralizador, mesmo tendo avançado na questão das competências administrativas e legislativas na nova carta constitucional de 1988. A crise política e econômica a qual o país atravessa desde 2015 é uma oportunidade de repensar o modelo, dando mais autonomia aos estados sem desassistir as unidades da federação que ainda não possuem uma economia pujante e desenvolvida, e que este modelo possa ser revertido em serviços públicos de qualidade e excelência ao cidadão e contribuinte.

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Julio Cesar Schvambach

julios.bach@outlook.com.br

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