Reforma dos RPPSs subnacionais

Relatório do Banco Mundial

Capítulo XIII

Reforma dos RPPSs subnacionais

  1. A crise do sistema de previdência dos entes subnacionais exige uma ação urgente. As propostas atuais de reformas não alteram significativamente os direitos dos servidores públicos pré-2003 que são o coração da crise de solvência do RPPS dos entes subnacionais. Servidores públicos não tendem a se aposentar cedo, a densidade de suas contribuições é alta, e eles não se beneficiam do subsídio mínimo de aposentadoria que são os problemas em foco nas atuais reformas. Em vez disso, os problemas de curto e médio prazo do RPPS são causados pela integralidade e paridade, que foram eliminadas para os trabalhadores que entraram depois de 2003, mas não para os que entraram antes. Por isso, a reforma de 2003 já resolveu boa parte dos déficits do RPPS no longo prazo, daqui três a quatro décadas (exceto para os militares, que foram isentos da reforma de 2003). Ainda assim, é esperado que o desequilíbrio fiscal do RPPS cresça rapidamente no curto e médio prazo, não abordados pela reforma proposta. De fato, simulações para o Estado do Rio de Janeiro sugerem que a reforma proposta não melhora substancialmente as projeções do déficit da previdência do estado. O desafio, portanto, é como lidar com o acumulado nos próximos 15 anos, que está relacionado com os benefícios pré-2003. Ainda mais, os déficits associados com as aposentadorias dos militares (e da polícia militar) vão crescer rapidamente no longo prazo. Reformar as aposentadorias dos militares, portanto, também deve fazer parte da agenda.
  1. É necessário alterar as regras federais para permitir que os governos subnacionais controlem os custos de seus RPPSs. A legislação federal limita o espaço para reformas do RPPS em nível subnacional. Portanto, é urgente que as propostas de reforma previdenciária sejam complementadas por uma mudança na legislação federal para permitir que os governos subnacionais controlem os custos de seus próprios RPPSs. Os governos subnacionais que o fizerem por meio, por exemplo, do aumento das alíquotas tributárias sobre a renda previdenciária, do aumento da idade mínima de aposentadoria para os servidores públicos ou da diminuição das taxas de reposição mediante alterações das regras de indexação das aposentadorias poderiam receber ajuda de liquidez do Governo Federal para facilitar a transição. Caso não se atinja uma solução cooperativa, o resultado seria uma crise generalizada, à medida que vários governos subnacionais se tornariam insolventes e não conseguiriam pagar os seus servidores, o que resultaria, em última análise, em custos sociais e fiscais muito mais altos.
  1. O Governo Federal precisa assumir a liderança das negociações nesse sentido. Embora o problema afete as finanças públicas dos governos subnacionais, trata-se de uma questão sistêmica que demanda a liderança do Governo Federal. Na verdade, obrigações previdenciárias insustentáveis em nível subnacional representam um grande passivo contingente para o Governo Federal. Ademais, é fundamental que o Governo Federal trabalhe em parceria com o Judiciário para chegar a uma solução que não seja minada por futuras decisões judiciais.

Previdência: opções de reforma e redução do gasto fiscal

  1. A proposta atual de reforma previdenciária (alterada pelo Congresso em maio de 2017) geraria uma economia fiscal de cerca de 1,8% do PIB até 2026. A proposta é equilibrada de um ponto de vista social e sua aprovação, portanto, é fundamental. Os generosos benefícios previdenciários oferecidos no Brasil são atípicos em comparação ao resto do mundo e, considerando também o rápido envelhecimento da população, o Brasil não pode mais manter os benefícios concedidos atualmente. A reforma proposta não eliminaria a pressão previdenciária motivada pelo rápido envelhecimento, mas retardaria tal pressão, preservando recursos para outros gastos prioritários. A reforma faz isso principalmente por meio da eliminação de subsídios concedidos no âmbito das regras atuais a trabalhadores formais e servidores públicos no topo da distribuição de renda. A proposta de reforma previdenciária brasileira não somente oferece uma contribuição significativa ao ajuste fiscal como um todo, mas também torna o atual sistema previdenciário menos regressivo. O resultado não é, de todo, injusto com os trabalhadores mais ricos. A reforma simplesmente reduz os subsídios injustificados que esse grupo de trabalhadores recebe do sistema, de forma a aproximar seus benefícios a suas contribuições. Mais importante que isso, os trabalhadores mais pobres, com poucos anos de contribuição, estarão em uma situação melhor após a reforma do que os trabalhadores de alta renda, ao passo que o oposto ocorre no sistema atual.
  1. Embora a reforma proposta represente um ajuste importante, fica claro, pensando no futuro, que reformas adicionais serão necessárias para fortalecer a sustentabilidade fiscal dos RPPSs e torná-los mais equitativos. Com base em simulações de modelos (contidas no Volume II), algumas recomendações detalhadas incluem:

– A fim de conter os déficits de longo prazo, será necessário reduzir ulteriormente as taxas de reposição, pois mesmo com a adoção da reforma atual, essas taxas permanecerão altas para padrões internacionais. Especificamente, a redução da taxa de reposição em 20 pontos percentuais adicionais reduziria os déficits do RGPS em 1,8% do PIB no médio prazo;

– A desvinculação do benefício previdenciário mínimo do salário mínimo, corrigindo-o somente pela inflação, também geraria uma economia considerável ao longo do tempo. Essa medida teria o impacto mais significativo para a redução do déficit fiscal em comparação a outras medidas de políticas que visem a estabilizar a dívida implícita do RGPS (por exemplo, elevar ainda mais a idade de aposentadoria e reduzir a taxa de reposição). Congelar aposentadorias mínimas em termos reais, alcançaria uma redução adicional do déficit do RGPS (urbano e rural) de 0,5% do PIB até 2027 e de 2,3% até 2067.

  1. Também é recomendável reconhecer o BPC e as aposentadorias rurais como programas sociais não contributivos e consolidá-las no contexto dos programas de assistência social. As receitas das contribuições rurais são insignificantes para justificar tal sistema como um programa contributivo. A transformação da aposentadoria rural em um programa não contributivo tornaria o sistema mais administrável, pois os benefícios seriam mais dirigidos aos indivíduos que carecem de apoio, e também seria mais fácil reduzir a acumulação de benefícios, inclusive as pensões por morte e o décimo terceiro benefício mensal. Embora o objetivo desses dois sistemas previdenciários seja evitar que grupos de idosos caiam em uma situação de pobreza, eles não são dirigidos aos mais pobres. Portanto, embora talvez de maneira contra intuitiva, uma reforma para consolidar o BPC e aposentadoria rural com outros programas de assistência social (alinhando o foco e os níveis dos benefícios), contribuiria para aumentar a equidade e a proteção dos mais pobres (ver seção abaixo sobre programas de assistência social).
  1. No caso do RPPS, há uma necessidade urgente de aumentar as contribuições e introduzir um tributo sobre a renda previdenciária de forma a neutralizar o esperado rápido aumento dos déficits previdenciários subnacionais ao longo dos próximos anos. A maior parte dos aumentos nos déficits previdenciários subnacionais previstos para a próxima década será motivada pelos amplos benefícios concedidos a indivíduos que ingressaram no sistema antes de 2003. É necessário reduzir esses valores, pois o sistema é incapaz de manter os generosos benefícios prometidos. Outrossim, os grandes subsídios inerentes aos generosos benefícios previdenciários pré-2003 são altamente injustos, pois os servidores públicos estão entre os mais ricos da população. Olhando para o longo prazo, existe também a necessidade de reforma o sistema previdenciário dos militares e da polícia militar (no nível subnacional).
  1. Uma vez que o valor do ajuste necessário é muito alto, a reforma previdenciária deveria compartilhar o ônus entre todas as gerações, inclusive os que já estão aposentados. Reformas futuras precisariam dividir o ônus entre várias gerações, pois certos grupos populacionais, incluindo as mulheres, os trabalhadores rurais, os professores e os militares, possuem benefícios previdenciários especiais, de difícil justificativa e não mais sustentáveis. Uma opção para solucionar as injustiças atuais seria aumentar a tributação da renda previdenciária atual. Por se tratar de um problema sistêmico (que constitui um grande passivo contingente para o orçamento federal), é necessário que o Governo Federal, em coordenação com o Judiciário, negocie uma solução para o problema que não seja minada por decisões judiciais futuras, de forma a equiparar (ou pelo menos aproximar) os benefícios oferecidos a diferentes gerações de trabalhadores.
  1. Também é essencial adotar políticas conservadoras de recursos humanos nas esferas federal e subnacionais para estabilizar as despesas previdenciárias futuras. Políticas prudentes de recursos humanos devem prever aumentos salariais modestos (pois os servidores públicos já recebem muito acima do que é pago no setor privado – ver capítulo sobre massa salarial); políticas de contratação que minimizem o impacto atuarial; e revisões da estrutura salarial dos servidores públicos em conformidade com despesas previdenciárias mais baixas no futuro. Ao adotar uma política de indexação conservadora relativa ao piso salarial dos professores, o Governo Federal pode contribuir significativamente para reduzir os déficits previdenciários dos estados, pois, geralmente, toda a estrutura salarial está atrelada ao piso, mesmo nos estados mais ricos.

Ricardo Bergamini

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