Entenda a crise dos combustíveis e pare de falar besteira

Autoria: Fernando Buglia
Fonte: https://www.facebook.com/fernando.buglia/posts/2111289389105167

Após ver e ler inúmeros argumentos totalmente desconectados da realidade, muitos construídos por desconhecimento econômico e outros tantos por pura cegueira ideológica, resolvi escrever esse artigo sobre a greve dos caminhoneiros e o consequente caos que a falta de combustível trouxe para o cotidiano de todos os brasileiros.

Evidente que não conseguirei abordar (e muito menos explicar) todos os aspectos que gostaria. Afinal, é impossível detalhar, ainda mais em meia dúzia de parágrafos, toda a “competência tupiniquim” em bagunçar a economia.

Assim sendo, focarei em três pontos que julgo importantes para qualquer discussão mais aprofundada do assunto:

1- Quem é, de fato, o responsável pela crise?

2 – O absurdo argumento da ganância dos donos de postos de gasolina.

3 – As soluções para a crise.

Prometo tentar não me alongar demais.

Entretanto, serão necessários um pouquinho de história e o básico de economia. Peço perseverança ao leitor para ir até o final. Tem minha palavra que, após a leitura, sua visão da crise estará, pelo menos, bem mais aprofundada.

1 – Quem é, de fato, o responsável pela crise?

Nos noticiários, eis a análise padrão dos economistas:

”Motivada por rombos estratosféricos, feitos para camuflar a inflação, a Petrobras, em 2006, passou a reajustar o preço dos combustíveis de acordo com as oscilações da cotação internacional do petróleo. Já na metade de 2017, visando uma dinâmica do mercado nacional mais coerente com os preços praticados mundialmente, esses reajustes (que eram praticamente mensais) começaram a ser feitos com muito mais frequência. Entretanto, nos últimos meses, houve, uma enorme valorização do dólar concomitante com o aumento do preço do barril do petróleo. Obviamente, esses dois motivos fizeram o preço dos combustíveis dispararem. Para se ter uma ideia, entre julho de 2017, quando a política de preços da Petrobras permitiu que os reajustes nos preços fossem diários, e abril deste ano, a gasolina ficou quase 30% mais cara. No dia 21 de maio, caminhoneiros de todo o país cruzaram os braços e bloquearam diversas estradas fundamentais para o escoamento de produtos, exigindo do governo federal o congelamento do preço do óleo diesel. Dada a dependência brasileira do transporte rodoviário, a falta de combustíveis era questão de horas. “

Não que essa análise desse suposto economista padrão esteja errada. Mas convenhamos que ainda é extremamente superficial e nem de longe responde a pergunta deste tópico: afinal, de quem é a culpa?

Tanto é verdade que tal análise se tornou um prato cheio para o surgimento de soluções fáceis, como “ tá vendo, quis confiar no livre mercado, olha no que deu!”

Para entendermos de fato o problema, precisamos dar alguns passo para trás, falar de economia e buscar exemplos de outros países.

Criada em 1953, a Petrobras nadou, por força de lei, na piscina do monopólio durante quase meio século. Em outras palavras, com o argumento ridículo de “ o petróleo é nosso”, ninguém além dela podia explorar, produzir, refinar ou transportar petróleo no território nacional.

Um pouco mais à frente falarei sobre as consequências do monopólio. Neste momento, apenas adianto o óbvio: empresas que têm reservas de mercado e que, consequentemente, não precisam se preocupar com concorrentes, se tornam caras, ineficientes e verdadeiros cabides de empregos para os apadrinhados políticos. Concorrência traz melhor qualidade na prestação do serviço e queda de preço. Duvida? Hoje, no Brasil, é mais fácil e mais barato comprar uma lasanha 4 queijos semi pronta num supermercado (que tem muita concorrência) do que tirar um xerox autenticado num cartório (que praticamente não tem nenhuma). Percebeu?

Pois bem. Com o intuito de promover a concorrência, melhorando a qualidade e baixando o preço do combustível para os brasileiros , no dia 6 de agosto de 1997, foi promulgada a Lei 9.478 que acabou com o monopólio estatal do petróleo. Ou seja, a partir desta data, as atividades relacionadas ao petróleo e seus derivados poderiam ser feitas por empresas privadas.

Lindo, não é? Concorrência, eficiência, gasolina de qualidade e queda de preço.Brasil, o país do futuro!

Nem tão lindo assim. Ou melhor, feio até.

Concomitante ao processo de “abertura de mercado do petróleo brasileiro”, foi criada a Agência Nacional do Petróleo (ANP), elemento fundamental para entendermos as mudanças que ocorreram a partir de 1997.

A ANP (Agência Nacional de Petróleo), tem como função oficial fiscalizar todo o setor petrolífero brasileiro, inclusive os setores de comercialização de petróleo e seus derivados, e o de abastecimento. Entretanto, assim como qualquer outra agência nacional de regulamentação (ANATEL, ANAC e ANVISA etc…) sua real tarefa é fechar o mercado e manter o monopólio.

E aqui vem a pior constatação: considerando essa real função ( a de coibir o aparecimento de concorrentes) acredito que nenhuma agência faz o papel melhor do que a ANP. Com uma burocracia simplesmente interminável, tal agência possui, além de sua diretoria, uma secretaria executiva, 15 superintendências, 5 coordenadorias, 3 núcleos (Segurança Operacional, Fiscalização da Produção de Petróleo e Gás Natural, e Núcleo de Informática) e 3 centros (Relações com o Consumidor, Centro de Documentação e Informação, e Centro de Pesquisas e Análises Tecnológicas).

Quer abrir uma refinaria? Então se prepare. Cada departamento acima citado exigirá de você mais que o impossível. Um calhamaço de papel e de taxas que acredite, tenderá ao infinito. Não se esqueça de colocar na conta as pesadas leis trabalhistas, as regulamentações ambientais e todas as propinas que deverão ser pagas no meio do processo de abertura da sua refinaria. Ah, some também o fato de que praticamente todas as reservas de petróleo no nosso território já são, claro, propriedades da Petrobrás.

Portanto, esqueça! você não conseguirá ter sua sonhada refinaria. Tamanha é a dificuldade que mesmo grandes multinacionais, com toda tecnologia e know how, sequer tentam entrar no mercado brasileiro. Ou seja, graças às exigências propositalmente absurdas da ANP, a Petrobras continua remando em águas tranquilas por aqui.

O monopólio acabou no papel, mas continua firme e forte na prática. Só entra no ramo de petróleo quem a ANP e a Petrobras querem.

Conforme adiantei em alguns parágrafos acima, esse monopólio de fato (que já dura quase sete décadas!) transformou a Petrobras numa das empresas mais corruptas e ineficientes do planeta. Não duvide, pois os absurdos são assustadores. Quer alguns exemplos?

=> Os valores desviados da estatal não param de crescer. Tentei achar um número, via google, claro! Desisti, pois é literalmente impossível. R$12 bilhões, R$30 bilhões, R$42 bilhões…Faça o teste e pesquise! A única certeza é de que não há, na história moderna, nenhum caso que supere esses números.

=> Em 2015, a Petrobras anunciou um gasto R$ 2,7 bilhões em projetos de duas refinarias só para concluir (veja só!) que eram inviáveis! Quanta eficiência!.
– A famosa refinaria de Pasadena, no estado americano do Texas, custou US$ 1,18 bilhão à estatal, um valor 27 vezes superior à sua precificação estimada na época (2006).

=> Em 2014 e 2015, a Petrobras distribui lucros aos acionistas, embora nesses anos a estatal tenha apresentado PREJUÍZOS de R$ 21,6 bilhões e R$ 34,8 bilhões, respectivamente.

=> Em 2007, a Petrobras estendeu o pagamento de adicional de periculosidade (áreas de risco) — um benefício aparentemente justo — a TODOS os empregados da empresa. É isso mesmo. Até aqueles que trabalhavam em escritórios de piso frio e ar condicionado receberam um adicional de aproximadamente 30% referente às condições insalubres.

Como deve imaginar, esses são apenas alguns exemplos, dentre tantos outros, que comprovam todos os malefícios que o monopólio traz.

Na primeira aula de economia, o estudante já aprende (ou pelo menos deveria aprender!) que uma empresa deve funcionar pensando em lucro. E é exatamente esse lucro, constantemente ameaçado pela concorrência, que traz eficiência na prestação de serviços, melhora a qualidade do produto ao mesmo tempo que reduz seus custos e, consequentemente, o preço final ao consumidor.

Entretanto, tudo isso só funciona sem reserva de mercado, sem monopólio. Em outras palavras, sem concorrência, nada disso acontece.

Esqueça aqueles comerciais bonitos da Petrobras, com petróleo jorrando e funcionários trabalhando felizes. Pura balela para te enganar. A Petrobras jamais se preocupou, de fato, com lucro ou com prejuízo. Nunca sentiu no cangote a ameaça de um concorrente mais eficiente e louco para roubar seus clientes.

Nossa maior empresa, em conluio com a ANP, é na verdade apenas um gigantesco cabide de emprego que utiliza toda a força estatal para manter uma reserva de mercado. Tudo para garantir poder e dinheiro para políticos e grandes empresários que, em troca de financiamento eleitoral (propina), fecham contratos superfaturados com a estatal, que por sua vez envia o boleto para você pagar.

Lembra daquela história do “petróleo é nosso”, ou da importância estratégica do “ouro preto”? São besteiras das grandes. Caso não acredite no que estou falando, por pura teimosia ou ideologia, olhe para outros países. O subida do preço do barril do petróleo e do dólar não quebrou ninguém lá fora. Por que será? Nos EUA, por exemplo, temos pelo menos 40 empresas privadas envolvidas na cadeia petrolífera. Atualmente, o preço da gasolina por lá, que subiu 25% em relação ao ano passado (devido ao preço petróleo), gira em torno de R$ 2,76 o litro. E isso para uma gasolina bem melhor que a nossa.

Portanto, ao contrário do que diz a esquerda e muitos “economistas” famosos, o que encarece nossos combustíveis não é a política de ajuste de preços (que é praticada em quase todos os países desenvolvidos) e sim o monopólio da Petrobras, sustentado pela ANP, que a transformou numa empresa absurdamente ineficiente.

Agora podemos responder a pergunta deste tópico: quem é, de fato, o responsável pela crise?

Simples. A culpa é do estado que:

  • Incide impostos absurdos sobre os combustíveis (resolvi não falar disso, tamanha a obviedade). Mas só para ilustrar, a taxação chega próximo de 50%.
  • Garante o monopólio da Petrobras que, via ANP, mantém todos os brasileiros clientes de uma das empresas mais ineficientes do planeta.

Essas duas consequências, associadas à alta do dólar e do barril do petróleo, fizeram com que nossos combustíveis atingissem preços extremamente exorbitantes para os padrões brasileiros. Os caminhoneiros, acreditando que os preços pagos pelos fretes não compensavam mais as viagens, cruzaram os braços (isso pode!) e bloquearam as estradas (isso não pode!).

Eu não disse que a explicação do economista padrão estava rasa demais? Tenho urticária com algumas análises desses supostos “especialistas”.

2 – O absurdo argumento da ganância dos donos de postos de gasolina.

Existe uma lei na economia que se chama “oferta e demanda”.

Funciona assim: quando a oferta aumenta, o preço cai. Quando a demanda aumenta, o preço sobre.

Ela é simples, mas poderosa. Usarei o exemplo da crise do feijão que passamos há poucos anos para ilustrar esse poder.

A safra 2014/2015 de feijão, por motivos climáticos, sofreu uma vertiginosa queda. Ou seja, diminuímos a oferta. Como a demanda era a mesma, o preço do feijão nas prateleiras dos supermercados, em 2016, disparou.

Claro que a sensação é de revolta. Mas essa subida de preço é fundamental para normalização da situação. Veja as consequências diretas desse aumento:

1 . Menos pessoas passaram a comprar o produto. Afinal, estava caro demais. O próprio processo de mercado forçou o importante e necessário racionamento naquele momento.

2. Produtores agrícolas, ao perceberem que os varejistas estavam pagando mais pelo feijão, resolveram produzir mais.

Perceba que essas duas consequências levam, de fato, a normalização. Com menos gente consumindo (racionamento) e mais agricultores, em busca de lucro, plantando, a situação em 2017 estava praticamente solucionada e o preço de um dos cereais mais admirados dos brasileiros voltou a cair.

Percebeu o poder dessa lei de oferta e demanda?

Pois bem, agora imagine que o governo impedisse os supermercados de subirem os preços. O que aconteceria? Basicamente duas coisas:

1 – O consumo continuaria o mesmo (na verdade até aumentaria, devido ao medo da escassez).

2 – Os agricultores não aumentariam sua produção, já que os varejistas não estariam pagando mais, pois estavam impedidos de repassar o aumento do preço ao consumidor final.

Tem alguma dúvida que seria questão de dias para que o feijão sumisse, por completo, de todas as prateleiras brasileiras?

Aliás, esse é o famoso controle de preços que tantas pessoas, de forma totalmente descabida, muitas vezes pregam. Nossos vizinhos venezuelanos acabaram de tentar tal medida para conter a inflação. Acho que não preciso dizer como anda a situação por lá.

Agora volte à crise atual brasileira e responda o que acontecerá se o governo proibir que os postos de gasolinas subam os preços?

Acabará combustível, claro! Aliás, o governo tem feito isso e é justamente o que está acontecendo.

A lei da oferta e demanda não tem intervalos, não dá tréguas. Controle de preços sempre levaram e sempre levarão a escassez.

Mas daí o preço pode subir para vinte reais o litro, você diz.

Que suba!

Sei que não é nada agradável pagar tudo isso pela gasolina. Mas tal processo mercadológico é extremamente necessário para que não falte combustível nas bombas dos postos para quem realmente precisar. Muitas pessoas deixarão de ir num shopping por causa disso, eu sei. Mas a mãe que estiver com o filho passando mal poderá abastecer seu carro para levá-lo ao hospital.

Vou repetir: sei que não é agradável pagar vinte reais o litro para levar um filho ao hospital. Mas é melhor assim do que não ter. E quer você queira ou não, nossa escolha atualmente não é entre ter gasolina barata ou gasolina cara e sim entre ter gasolina ou não ter.

Além disso, o aumento de preço nos postos possibilitaria uma remuneração maior pelo frete que, consequentemente, levaria caminhoneiros a retomarem suas atividades.

Portanto, encerro aqui o segundo tópico do meu artigo afirmando categoricamente que proibir o aumento dos preços nas bombas de combustíveis, além de imoral (afinal, a gasolina não é sua) é uma ação que apenas agravará ainda mais a crise.

3 – As soluções para a crise.

Após a explicação dos dois tópicos anteriores, acredito que posso expor rapidamente quais seriam as reais ações que solucionariam a crise. E todas elas envolvem mais liberdade e menos estado.

A primeira seria liberar os donos de posto a praticarem os preços que acharem justo e conveniente. Como demonstrei anteriormente, a lei da oferta e demanda desestimularia o consumo e incentivaria a retomada da distribuição.

Claro que para a distribuição voltar ao normal, é necessário que não haja impedimentos físicos. Assim sendo, os caminhoneiros que estiverem proibindo a passagem de outros deverão ser retirados a força. É duro dizer isso, mas é a verdade. Quer cruzar os braços, sem problema. Mas impedir outros de trabalhar não é legítimo.

A segunda medida seria extinguir os impostos que incidem nos nossos combustíveis. Mas sem jogar a conta “pra depois”, como o governo quer fazer por alguns dias. Será necessário reduzir os gastos governamentais. É aí que entram minhas próximas propostas.

A próxima medida seria a extinção imediata da ANP. Como já afirmei, ela serve apenas para manter o monopólio da Petrobras, evitando a entrada de novas empresas mais eficientes. Além disso, a ANP também é utilizada para manter os oligopólios dos postos de gasolinas nas cidades, via regulamentações. Essa ação dos donos dos postos e da ANP deve ser amplamente atacada pela população (e não a subida de preços!).

E pra você que ainda acha que a ANP pensa no seu bem, segue um último exemplo, cômico inclusive: sabia que caso algum dono de posto quiser vender gasolina pura, sem adição de álcool, como é feito nos EUA, ele poderá ser até preso? Isso porque, para garantir uma fatia do mercado aos produtores de etanol, a ANP estabeleceu uma regulamentação que exige uma adição mínima do produto na gasolina vendida em todo o país. Legal, né?

Portanto, a médio prazo, a extinção da ANP é fundamental para vermos a concorrência agir, melhorando a qualidade dos combustíveis e reduzindo os preços nas bombas dos postos.

Por fim, mas não menos importante, é a privatização da Petrobras. Só assim nos livraremos dessa empresa que nada mais é do que uma mesa de negociatas que se sustenta às custas do bolso dos brasileiros.

Ressalto que as soluções apresentadas não têm, praticamente, nenhum incentivo político. Sei muito bem disso. Minha intenção aqui foi apenas apresentar as soluções econômicas para a crise. Desprezar as soluções da economia, ao contrário do que muitos pensam, é prática comum do estado. Mais ainda, o estado consegue parasitar a sociedade graças ao desconhecimento econômico das pessoas, que ainda acreditam que as intervenções estatais são benéficas.

Pelo menos agora você não sairá falando besteira por aí. Já é um começo.

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Author: Vanderlei Dallagnolo

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